Online Portuguese Guidebook about Sickle Cell Disease for Healthcare Providers

By Dr.Heloisa Helena Arantes Gallo da Rocha, a Hematologist in Brazil


HEMOGLOBINA

Estrutura da Hemoglobina:

A hemoglobina é uma molécula de proteína composta de dois pares de cadeias globínicas, polipeptídicas. Cada cadeia contém uma molécula heme que é responsável pelo transporte de oxigênio. As cadeias globínicas são semelhantes umas as outras, consistindo de uma série de aminoácidos. A cadeia beta possui 146 aminoácidos e a cadeia alfa 141. Além das cadeias alfa (a ) e beta (b ) que constituem a hemoglobina A (de adulto ), os tipos de cadeias polipeptídicas variam de acordo com o estádio de desenvolvimento intra-uterino. Todas são chamadas por letras gregas : gama (g ), delta (d ), épsilon (e ) e zeta (z ). As cadeias zeta e épsilon são sintetizadas no início da vida intra-uterina ; as cadeias alfa e gama, na vida fetal e as cadeias alfa, beta e delta na vida pós fetal.

No início da vida embrionária, a cadeia z e a cadeia e se combinam para formar a hemoglobina Gower I (z 2 e 2), a cadeia a e a e se combinam para formar a hemoglobina Gower II (a 2 e 2) e a cadeia zeta com a cadeia gama para formar a hemoglobina Portland (z 2 g 2). Na vida fetal, a molécula predominante é a hemoglobina (Hb) Fetal (F = a 2 g 2) enquanto que após o nascimento a Hb F é substituída pela Hb A (A = a 2 b 2) e Hb A2 (A2 = a 2 d 2). Os trabalhos descritos sugerem que as hemoglobinas embrionárias foram antecedentes da hemoglobina A que sofreram mutações e evoluíram para as hemoglobinas A, Fetal e A2.

Função da Hemoglobina:

Toda a informação genética da hemoglobina está na sua estrutura de DNA, como qualquer proteína.

Cada molécula de hemoglobina carreia quatro moléculas de oxigênio, cada uma ligada a um dos grupos heme, quando totalmente saturada. A estrutura tetramérica da hemoglobina é essencial para o transporte de oxigênio assim como os movimentos cooperativos das mesmas moléculas, dando lugar a uma curva de dissociação de forma sigmóide . A molécula tem duas conformações associadas com os estados oxigenado e desoxigenado. Durante a oxigenação as duas cadeias beta se movem juntas levando a uma maior avidez pelo oxigênio. A habilidade do 2, 3 Difosfoglicerato (2,3 DPG) para reduzir a afinidade de oxigênio pela molécula de hemoglobina é dependente da estabilização da ligação entre as duas cadeias beta. Uma queda no pH ou aumento na temperatura também poderá favorecer a conformação da hemoglobina desoxigenada e então diminuir sua afinidade pelo oxigênio. Qualquer alteração estrutural na cadeia globínica pode interferir com o movimento molecular normal e assim modificar a capacidade de liberação de oxigênio pela molécula de hemoglobina. A capacidade do sangue de liberar oxigênio aos tecidos pode ser modificada por um desses fatores (geralmente a quantidade de 2,3 DPG), uma vez que essa quantidade altera a posição da curva de dissociação do oxigênio. Assim, na anemia o efeito na liberação tissular de oxigênio causado pelo baixo conteúdo de hemoglobina é parcialmente compensado por um aumento no 2,3 DPG que leva a um aumento na capacidade de liberação de oxigênio pela molécula de hemoglobina.

Fisiopatologia da Anemia Falciforme

A anemia falciforme é causada por uma mutação no gem da hemoglobina que produz uma hemoglobina com uma anormalidade na cadeia beta globínica.

A hemoglobina falciforme (Hb S) é um exemplo de mutação qualitativa na molécula da hemoglobina. Os estudos demostraram que na cadeia b da hemoglobina na posição do Carbono 6 houve uma substituição do aminoácido glutâmico pela valina . Essa mutação é a responsável pela tendência da HbS desoxigenada formar polímeros e tomar a forma afoiçada.

A Hb C também é outro caso de alteração qualitativa em que o ácido glutâmico é substituído pela lisina.

Isto leva a uma ampla variedade de manifestações clínicas. Para se entender a fisiologia da anemia falciforme(AF) é necessário considerar informações básicas sobre a molécula de hemoglobina e seu controle genético. Os efeitos da hemoglobina anormal na hemácia , a interação das hemácias com outras células do vaso sangüíneo e a interrupção no fluxo sangüíneo e os efeitos da isquemia nos tecidos deve ser considerado.

No gem siclêmico há uma mutação em um ponto do código genético da molécula de hemoglobina que leva à substituição do ácido glutâmico na sexta posição beta globínica pela valina. A valina é um aminoácido neutro enquanto que o ácido glutâmico é carregado negativamente . Assim a valina permite a aproximação das moléculas de hemoglobina e consequentemente a polimerização quando desoxigenada. Isso acontece devido a molécula desoxigenada ficar em um estado “tenso” que permite o contato entre as regiões de deoxihemoglobina o que não é possível no estado oxigenado.

Os estudos em microscopia eletrônica tem mostrado que as células irreversivelmente afoiçada praticamente não tem hemoglobinas polimerizadas e ainda, retém a forma afoiçada. Assim, a forma “em foice” das células é devida a uma fixação das proteínas do citoesqueleto da membrana que devem então serem responsabilizadas pela forma irreversivelmente afoiçada.

A polimerização da hemoglobina e o afoiçamento da célula são dependentes da concentração de hemoglobina siclêmica. Assim, a formação de hemácias densas, desidratadas tem um efeito deletério no processo de afoiçamento. Os indivíduos com “traço” da AF (Hemoglobinopatia AS) possuem na maior parte dos casos 40% de HbS e são assintomáticos, sem anemia. Vários investigadores tem feito estudos afim de se determinar o processo responsável pela perda de água da célula.

Alguns autores (15) descreveram um trabalho em que o assunto era se discutir conteúdo de água das células e as alterações na tensão de oxigênio. As células que foram acentuadamente desidratadas antes da desoxigenação não eram capazes de assumir a morfologia típica de drepanócitos. Isto se verificou tanto para as células com uma média elevada de hemoglobina corpuscular media, hemácias afoiçadas discoides e para as células irreversivelmente afoiçadas. Quando essas células foram ressuspensas num meio hipotônico antes da desoxigenação, elas se afoiçavam com a morfologia característica das hemácias afoiçadas com uma concentração de hemoglobina corpuscular media normal.

Já Join e Sohet realizaram um trabalho de pesquisa em que concluíram que indivíduos com anemia falciforme tem um número variável de células irreversivelmente afoiçadas que poderiam contribuir na fisiopatologia da anemia falciforme. O estudo foi feito para se determinar o possível papel da peroxidação lipídica na formação das células irreversivelmente afoiçadas e concluíram que as células irreversivelmente afoiçadas provavelmente sofreram anteriormente uma lesão peroxidativa e acúmulo de malonildialdeído in vivo.

Também há uma auto – oxidação da membrana da célula da hemácia. As hemácias siclêmicas produzem grandes quantidades de moléculas de oxigênio reativas.

VARIAÇÕES NOS PARÂMETROS DE HEMOGLOBINA FETAL E SUAS RELAÇÕES COM O FENÓTIPO DE ANEMIA FALCIFORME:

A polimerização da molécula da hemoglobina intracelularmente é o determinante mais importante das manifestações clínicas e biológicas da Doença Falciforme e a hemoglobina fetal tem aí o seu papel predominante. Na hemoglobina fetal não ocorre polímeros de hemoglobina S e sua expressão intracelular nas hemácias falcêmicas inibem a polimerização

A Persistência Hereditária da Hemoglobina Fetal (PHHF) em pacientes com AF torna esses pacientes assintomáticos em razão da HbF ser mais ávida pelo oxigênio trazendo a curva de dissociação da oxihemoglobina desviada para a esquerda. Dessa forma a Hb Fetal em maior quantidade nas hemácias torna-a mais oxigenada, diminuindo assim o fenômeno do afoiçamento, causador dos sintomas agudos e crônicos da AF.

Os níveis de hemoglobina Fetal são elevados ao nascer e vão diminuindo com o crescimento. Sendo assim, protege o recém nato das manifestações clínicas da hemoglobinopatia (46) .Uma pesquisa realizada envolvendo 105 pacientes com AF demonstrou que a média da HbF em cada grupo é maior do que na população geral normal . Nos segmentos etários de 0 a 5 anos (gráfico) os níveis de Hb F são mais elevados (média de HbF: 13,8% e 12,3%) e depois há uma queda nos grupos etários que se sucedem. Na faixa etária compreendida entre 30 a 40 anos ocorreu um segundo pico de HbF (média de Hb F: 8,45%). Após os 40 anos, os sete pacientes estudados apresentaram uma média de HbF de 3,13%. Assim sendo, a média da HbF na população de pacientes com AF é maior que na população geral normal. Até os 10 anos de idade predomina uma faixa elevada de HbF que vai caindo progressivamente. Há uma tendência do sexo feminino a apresentar HbF mais alta do que no sexo masculino ( Gallo da Rocha, em publicação).

Valores da HbF na população geral normal:

4 a 11 meses

1,5 a 3,5

2 a 5 anos

0 a 2

5 a 10 anos

0 a 2

10 a 20 anos

0 a 2

20 a 30 anos

0 a 2

30 a 40 anos

0 a 2

> 40 anos

0 a 2

Média de Hb Fetal em cada grupo de pacientes com AF: (Gallo da Rocha et al)

Grupo 1

4 a 11 meses (5 pacientes)

Grupo 2

2 a 5 anos (13 pacientes)

Grupo 3

5 a 10 anos (12 pacientes)

Grupo 4

10 a 20 anos (24 pacientes).

Grupo 5

20 a 30 anos (18 pacientes)

Grupo 6

30 a 40 anos (15 pacientes)

Grupo 7

> 40 anos ( 7 pacientes).

Grupo 1: 13,8%

Grupo 2: 12,3%

Grupo 3: 8,7%

Grupo 4: 7,5%

Grupo 5: 4,1%

Grupo 6: 8,4%

Grupo 7: 3,13%

O estudo demonstrou que a média da HbF em cada grupo é maior do que na população geral normal, em concordância do descrito por Davis (9).

Nota-se pelo gráfico que nos segmentos etários de 0 a 5 anos os níveis de hemoglobina Fetal são mais elevados (média de 13,8% e 12,3%) e depois há uma queda nos grupos etários que se sucedem. Na faixa etária compreendida entre 30 e 40 anos ocorreu um segundo pico de HbF (média de HbF: 8,45%). Após os 40 anos, os sete pacientes estudados apresentaram uma média de HbF de 3,13%.

brazil_pro_chart

No livro de Serjeant (70) ele expõe que há uma queda significativa da HbF em homens entre os grupos de 5 a 9 anos e de 20 a 40 anos.

Nesses dois grupos de faixa etária, com relação a sexo, não notamos diferença estatisticamente significativa, porém com uma tendência a significativa no grupo 4(quadro acima).

Em conclusão ao trabalho que fizemos temos que:

  • a média da HbF na população de pacientes com AF é maior que na população geral normal
  • até os 10 anos de idade predomina uma faixa elevada de HbF que vai caindo progressivamente. Observamos um aumento no grupo de 30 a 40 anos, podendo significar que os pacientes do grupo intermediário que sobreviveram até 30 anos provavelmente foram os que apresentaram HbF mais elevada.
  • Surpreendentemente os pacientes com mais de 50 anos apresentaram um nível média de HbF menor que no grupo etário anterior.
  • O estudo em ambos os sexos demonstrou uma tendência das pacientes do sexo feminino a apresentarem um nível de HbF maior do que no sexo masculino.

Talassemias:

Nas Talassemias há alteração quantitativa na produção das cadeias polipeptídicas da hemoglobina. Levando a um desequilíbrio, que é classificado de acordo com a cadeia afetada. Se a produção de cadeias a está diminuída é chamada de Talassemia Alfa. Se for de cadeias b , Talassemias Beta. Há outros tipos menos comuns de Talassemia acometendo mais de uma cadeia polipeptídica de hemoglobina, como o caso de l b Talassemia .Este desequilíbrio na síntese de cadeias globínicas causa as manifestações clínicas e existem vários mecanismos pelos quais isso pode acontecer .Os mais comuns são: deleção de gem, perda de uma seção do gem e erros de transcrição.

Sendo a Hb S uma anormalidade da cadeia b , esta pode se somar à alteração quantitativa da cadeia e portanto dar lugar à associação da Anemia Falciforme com Talassemia Alfa ou Beta, modificando assim a sintomatologia clínica e evolução do paciente.

Talassemia Alfa:

A maioria das Talassemias Alfa são decorrentes de deleção de gem. Cada pessoa normal herda quatro gens globínicos a , podendo-se escrever o genótipo assim:

a a /a a .A deleção de um dos pares dos gens alfa globínicos (a -/a a ) causa a Talassemia a +, enquanto a deleção de ambos os pares (–/a a ) resulta na grave Talassemia a 0.

Há casos em que não há deleção, porém um mau funcionamento do gem como na Hb de Constant Spring.

Talassemias Beta:

A ausência de cadeias Beta é chamada de Talassemia b 0 e a redução da síntese de cadeias beta, de Talassemia b + e nesses casos a clínica é variável dependendo da atividade do gem globínico beta. Há um trabalho descritivo de 3 subgrupos de STalassemia b +, conforme a clínica do paciente (70 ) tipos I, II e III..

A maioria das Talassemias beta são devidas a uma única mutação puntual .A herança de gens Talassêmicosb + significa que há produção de cadeias b em pouca quantidade, menor que o normal. Se a herança é de gem b 0 não há produção de nenhuma cadeia b .Na Talassemia b + há produção de 20 a 30% de hemoglobina A . Portanto a extensão da deleção e da função dos gens que sobraram determina a característica clínica dos diferentes genótipos.

ORIGEM DO GEM FALCÊMICO:

O uso de enzimas de restrição para o reconhecimento e corte do DNA em seqüências específicas tem identificado variações na estrutura do DNA que são herdados e que podem ser utilizados como marcadores genéticos.

Num estudo feito descreveu-se que haveria múltiplas mutações produzindo o gem S e que estas estariam baseadas na diferente distribuição geográfica dos haplotipos b na África, onde o gem S está associado a pelo menos três estruturas cromossomiais representando mutações. Dessa forma o haplotipo Benin seria o responsável pela maior parte da cadeia globínica b S da África Centro Leste; o haplotipo Senegal pelo gem da África Leste – Atlântica e o haplotipo Banto pela região Central da África. O haplotipo asiático seria responsável pela maior parte dos gens b S na província Leste da Arábia Saudita e Índia Central. Dessa forma teria ocorrido uma mutação do gem falciforme em três ocasiões no continente africano e pelo menos uma vez na Península Arábica ou Índia Central (57 ) . Desta distribuição primária o haplotipo Benin parece ter se espalhado para a América do Norte (53), Sicília (63) nordeste a Grécia (10), sudoeste da Turquia ( 4 ) e ao sudoeste da Arábia Saudita ( 63). Conclui ainda que o haplotipo Centro Africano era o responsável pela maior parte dos gens b S no Quênia (52 ).

Em 1996, ZH Lu e MH Steinberg descreveu que os diferentes haplotipos podem ser marcadores ligados ao DNA que modulam a expressão do gem gama globínico. Dos estudos que fez concluiu que as variações nessas áreas são mecanismos raros de modulação de hemoglobina Fetal na AF (44 ).

Os trabalhos anteriores relacionam os haplotipos Benin e Banto como tendo pior evolução; o Senegal como tendo prognóstico intermediário e o CAR (República Centro Africana), também chamada de haplotipo asiático como tendo a evolução mais benigna.

O livro Fluxo e Refluxo de Pierre Verger, trata sobre o tráfico de escravos e lá encontramos o relato de que no Rio de Janeiro havia uma sensível predominância dos negros bantos sobre os da Costa da Mina , indicação essa através de cifras encontradas nas listas de Cartas de Alforria fornecidas entre 21 de junho e 26 de agosto de 1864. Em uma lista de 504 escravos libertados, 481 eram bantos, ou seja segundo o trabalho acima, teriam o pior prognóstico se carreassem o gem da Anemia Falciforme, e somente 23 ou seja, 25% da região do golfo do Benin (também com haplotipo de pior prognóstico). Na Bahia predominava o Benin e os costumes daquele lugar no Brasil é notável enquanto a influência banto do Congo e Angola são mais aparentes no resto do Brasil.

Mais atualmente verificou-se que não eram exatamente os haplótipos que determinava o prognóstico dos pacientes com AF.

Cinco fatores foram propostos como influentes na variação da HbF na AF: idade, sexo, números de gens falcêmicos, haplotipo beta globínico e o locus da produção de célula F ligado ao cromossoma X (FCP). Concluiu-se então que:

  1. O FCP é responsável por cerca de 40% da variabilidade dos níveis de HbF.
  2. Quando se retira a influência do FCP o haplotipo beta globínico é responsável por 14% da variabilidade restante dos níveis de HbF.
  3. Os outros fatores tem pouca influência.

Dessa forma registrou-se nesse trabalho que o locus FCP ligado ao cromossoma X é o maior determinante dos níveis de HbF na Hemoglobinopatia SS e que outros fatores ligados ao haplotipo b globínico (Benin, Banto ou República Central Africana e Senegal) tem somente pequeno efeito na variação dos níveis de HbF no estado homozigoto ou heterozigoto. A metade da variabilidade da HbF ainda permanece para ser explicada (14)

PORQUE AINDA EXISTEM GENS S?

Os estudos populacionais entre crianças mais velhas na África equatorial revelaram uma deficiência de homozigotos ( 2 ) .Com isso parecia que os homozigotos não tivessem tido tempo suficiente de vida para a sobrevivência. Em face dessa perda de gens b S globínicos outros fatores devem ter contribuído para a manutenção do gem em alta freqüência. Uma taxa de mutação calculada era muito pequena para explicar a manutenção do gem S .Uma explicação já de há muito relatada, era que os heterozigotos pudessem ter um nível maior de fertilidade do que a população AA. Os estudos feitos não comprovaram essa idéia ( 2). A outra hipótese aventada era de que os heterozigotos possuíam maior proteção contra a malária.

Miller et al(47 ) sugeriu que o parasitismo de hemácias na célula afoiçada levava a um afoiçamento seletivo de células parasitadas e assim elas seriam removidas mais rapidamente pelo sistema retículo endotelial do baço. Com o advento de outras pesquisas começou a ser notado que a mudança de um ambiente endêmico de malária para um não endêmico como os Estados Unidos levou a uma queda de 15% para 8% de positividade para o gem S na população afro- descendente, num período de tempo que levou de 3 a 5 gerações ( 3 ).

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA:

HEMOGLOBINA S:

É encontrada na população negra (África equatorial) entre povos não Negros que incluem o sudeste da Itália, nordeste da Grécia, sudeste da Turquia, Arábia Saudita e Índia (70) .Foi feito um estudo de prevalência das hemoglobinopatias AS ;SS; AC; Talassemia Beta Minor no Estado do Rio de Janeiro na população afro descendente.

data

local

T

A

SS

AS

AC

b Tal

Número coletas

10/99

UERJ

11,4%

0%

11,4%

1,9%

0%

105

11/99

Macuco

4,08%

0%

4,08%

1,02%

0%

98

01/00

Lamina

14,8%

14,8%

27

01/00

Carmo

0%

0%

0%

0%

0%

23

02/00

Deodororo

6,25%

1,5%

4,75%

1,5%

1,5%

66

21/03

RIO

11%

0%

11%

2,7%

0%

36

Isso foi feito a partir de um programa de implantação de AF no E. Rio de Janeiro e da criação de um Grupo de Trabalhos de AF pela Vice Governadora do Estado do Rio de Janeiro, Ex.ma Sra. Benedita da Silva (setembro de 1999). Fomos a vários locais do Estado para fazer palestras e distribuir cartilhas e coletamos amostras da população negra. Foram estudadas 355 amostras de sangue para estudo eletroforético de hemoglobina no Laboratório Lâmina pelo Setor de Hematologia (Gallo da Rocha, HHAG, Gama de Sá AC e Maia EG, trabalho em publicação).Os Kits de Eletroforese de Hemoglobina foram doados pelo Analise Produtos e Serviços para Laboratórios RJ.

Resultados:

Município o Rio de Janeiro

22/234 (9,4%) de Hemoglobinopatia AS.

3/234 (1,2%) de AC;

1/234 (0,4%) SS;

1/234 (0,4% ) de Talassemia minor

Levando em conta todo o Estado do Rio de Janeiro

355 coletas 26/355 (7,3%) de traço falcêmico;

4/355 (1,12%)de Hemoglobinopatia AC;

1/355 (0,28%) de Anemia Falciforme – Hemoglobinopatia SS;

1/355 (0,28%) de traço talassêmico (talassemia minor)

Conclusão: A prevalência do gem S na população do Rio de Janeiro é expressiva; na população de negros do ERJ há também hemoglobinopatia AC e Beta Talassemia. A prevalência é maior no município do Rio de Janeiro do que no Estado.

Notamos até o momento que há uma prevalência maior no município do Rio de Janeiro, comparado à região norte do Estado (Carmo e Macuco). Esse fato poderia ser devido a maior concentração de O2 ao nível do mar e à migração da população sem o gem S para lugares mais altos, onde o oxigênio é mais rarefeito. Como ainda é um estudo piloto não há conclusões definidas a esse respeito.

HEMOGLOBINA C:

A distribuição da Hemoglobina C é mais limitada, sendo primariamente restrita ao nordeste de Gana (19 ).

Na América do Norte e Caribe a proporção do traço C é de 2 a 3,5% na população de raça negra (70 )

No Rio de Janeiro, a prevalência na população negra é de 1,12% (Gallo da Rocha, em publicação).

HEMOGLOBINA D:

É encontrada em todos os lugares com maior prevalência em Punjab (64).

ALFA TALASSEMIA:

O gem a Talassêmico ocorre em 5% das pessoas no sudeste da Ásia e menos que 1% na população Mediterrânea. A população negra americana e jamaicana tem uma freqüência de 24 a 35% de heterozigotos e 3% de homozigotos (70 ).

BETA TALASSEMIA:

Sua prevalência ( Minor) no Estado do Rio de Janeiro é de 0,53% na população de raça negra (Gallo da Rocha, em publicação).

NOMENCLATURA:

A Doença Falciforme engloba um grupo de patologias que apresentam positividade ao Teste de Afoiçamento:

  • Doença homozigótica SS
  • Heterozigotia dupla SC
  • Talassemia Sb 0
  • Talassemia Sb +

INCIDÊNCIA E DIAGNÓSTICO:

A incidência esperada na população pode ser aproximada pelo estudo dos portadores do traço falcêmico. Assim, em uma comunidade onde 10% tem o traço, a chance de qualquer mãe ou pai de ter o traço será 1 em 10 pessoas afrodescendente. Presumindo casamentos ao acaso, 1 em 100 relacionamentos será entre pais com o traço. Uma vez que 1 em 4 filhos tem a chance de nascer com anemia falciforme (SS) a incidência pode ser em torno de 1 em cada 400 ou 2,5 casos por 1000 nascimentos (70).

Diagnóstico:

O diagnóstico de certeza é dado com a eletroforese de hemoglobina.

Eletroforese de Hemoglobina em acetato de celulose em pH alcalino (pH 8,2- 8,6)

A eletroforese de hemoglobina em pH alcalino permite identificar as hemoglobinas: A,F,S/G/D,C/E/O- Arab, H e outras variantes menos comuns.Com uma eletroforese de boa qualidade podemos visualizar quando os níveis de hemoglobina F estiverem acima de 2%

A hemoglobina A2 pode ser determinada pela eletroforese ou pelo estudo em coluna.

Os pacientes que tem uma banda no local de mobilidade S necessitam fazer o teste de afoiçamento ou a eletroforese em pH ácido, já que a D corre no mesmo local que a s em pH alcalino.

Eletroforese de Hemoglobina em gel de agarose pH 6,0- 6,2:

A eletroforese em pH geralmente é um estudo complementar após a corrida eletroforética em fita alcalina. Há diferenças nas mobilidades das bandas. Distinguem o S do D mas não distingue entre a maior parte dos tipos G e D. Distingue C da E, C Harlem e O Arab.

Outros testes são indicados para distinguir a D da G ( análise de DNA). Um teste de solubilidade está indicado quando a mobilidade ácida sugere C Harlem, uma hemoglobina variante em que a mutação S é uma das mutações, mais do que a hemoglobina C.

Quantificação da hemoglobina A2 por cromatografia em microcoluna:

Esse é um método importante para quantificação de hemoglobina A2 para o diagnóstico de traço beta Talassêmico. Essa técnica é de valor para se distinguir a SS (A2<4%) e S Beta zero Talassemia (hemoglobina A2> 4%). Entretanto é importante saber que a coexistência de traço alfa Talassêmico irá influenciar esses valores e pode dificultar a interpretação

Focalização isoelétrica:

As hemoglobinas que podem ser diferenciadas uma das outras por esse método. Um aumento irreal da hemoglobina A2 pode ser observado nesse exame.

HPLC (high performance liquid chromatography):

HPLC pode ser usada para a quantificação de hemoglobina A2 e F. A HPLC dá quantificação precisa da hemoglobina A2 , sendo útil para o diagnóstico de traço beta Talassêmico. Entretanto a hemoglobina A2 não pode ser conveniente separada quando na presença de hemoglobina S. Além disso a hemoglobina A2 não pode ser geralmente separada da hemoglobina E, assim impossibilitando o diagnóstico diferencial entre a E/Beta zero Talassemia e homozigotia de hemoglobina E.

Alfa Talassemia:

O screening inicial para alfa zero traço Talassêmico é feito pelos índices hematimétricos. Testes posteriores estão indicados se a Hemoglobina Corpuscular Média < 25 pg e se traço beta e delta- beta Talassêmico e hemoglobina Lepore foram excluídos. Casos ocasionais de traço alfa Talassêmico podem apresentar uma HCM entre 25 e 26 pg, mas são raros (<1%)

Teste de afoiçamento

Falso positivo: soluções salinas hipertônicas por exemplo, pelo uso de metabissulfito de sódio a 4%.

Falso negativo: metabissulfito deteriorado ou mal vedação da lamínula, permitindo a passagem de oxigênio para a solução.

Teste de solubilidade :

É usado quando não se tem citologistas para avaliar o teste de afoiçamento.

Em ambos os testes a limitação é a não diferenciação dos portadores AS , SS, SC, SD, S Talassemia etc.

FISIOPATOLOGIA DA OCLUSÃO VASCULAR

A oclusão vascular é de fator crucial para se explicar o quadro clínico da anemia falciforme. A oclusão vascular pode ocorrer na micro e na macro circulação. A primeira é responsável pelos fenômenos dolorosos e a segunda pela falência de órgãos.

Para bem explicar o fenômeno do afoiçamento, os eventos ocorrem em uma seqüência:

  1. Inicialmente há polimerização da hemoglobina S,
  2. Segue-se a diminuição da flexibilidade das hemácias,
  3. Há a oclusão da microcirculação,
  4. Como conseqüência há hipoxia tissular,
  5. Ocorre lesão tissular que dispara o estímulo doloroso.

A polimerização da hemoglobina S ocorre quando há desoxigenação. Cada rede polimerizada consiste de 14 fibras num arranjo helicoidal.

Na falta de oxigênio ocorre ponte hidrofóbica entre a valina de um tetrâmero e fenilalanina b 85 e leucina b 88 do tetrâmero adjacente, levando a geração de um ninho de hemoglobina S polimerizada. Quando 30 tetrâmeros de hemoglobina S desoxigenada se agregam, geram um núcleo crítico, ao qual outros tetrâmeros são adicionados para formar um polímero estável. Este polímero estável provê a área de superfície necessária para o início de uma segunda fase de nucleação no qual virão outras formações de fibras. Com a evolução da polimerização, mais área de superfície torna-se disponível para a nucleação heterogênea e o processo se torna autocatalítico. Esse duplo mecanismo de nucleação é responsável pelo encurtamento de tempo entre o início da nucleação do polímero e o aumento exponencial na formação do polímero.

A quantidade de polimerização intracelular de desoxi hemoglobina S é um processo complexo e depende de um número de fatores incluindo a concentração intracelular de hemoglobina, a composição intracelular de hemoglobina (percentagem de outras hemoglobinas como a F e C), a percentagem de saturação de oxigênio, temperatura, pH, força iônica e 2,3 DPG (75). A oclusão microvascular ocorre sempre que as condições intra e extracelulares promover a geração de número suficiente de células afoiçadas rígidas com hemoglobina polimerizada capaz de bloquear os capilares. Isso inclui as seguintes situações

  1. Aumento do número de hemácias SS densas que contém hemoglobina S polimerizada mesmo com saturação arterial de oxigênio.
  2. Rápida desoxigenação, que resulta na formação de extenso polímero de hemoglobina S sem o clássico aspecto de afoiçamento. Esse mecanismo pode explicar o seqüestro seletivo das hemácias SS densas contendo polímeros de hemoglobina S mas sem afoiçamento morfológico.
  3. Situações que prolongam o tempo de trânsito pela microcirculação, como o aumento da adesividade ao endotélio e tonus vascular aumentado.

Reologia da hemácia SS

A reologia da hemácia afoiçada tem um papel importante na patogenese da oclusão vascular; entretanto a reologia do sangue não é definida por um único fator mas é influenciada por um número de fatores como a viscosidade plasmática, hematócrito, concentração de hemoglobina celular, propriedades mecânicas de membrana e relação volume/área de superfície das hemácias. Esses fatores estão intimamente relacionados e a alteração em um parâmetro geralmente afeta o outro. Assim, uma vez uma hemácia afoiçada torna-se desidratada, sua deformabilidade diminui e isto por sua vez aumenta a viscosidade sangüínea.

Portanto uma das conseqüências da polimerização intracelular da hemoglobina S é a desidratação celular devida a perda de K e água. A idade da célula interfere provavelmente pela diminuição da interação de proteína esquelética (spectrin- spectrin ou spectrin- proteína actínica) leva a um aumento da lesão oxidativa.

A relevância clínica das propriedades reológicas das hemácias falcêmicas faz corpo com a rigidez e deformação das hemácias na microcirculação. Estas células podem ser seqüestradas na microcirculação e no sistema retículo endotelial. A desoxigenação acentua a deformação das hemácias e o efeito deletério que elas provocam na dinâmica da microcirculação. Isso pode levar a bloqueio do fluxo sangüíneo com conseqüente hipoxia e lesão. As hemácias afoiçadas tem maior aderência ao endotélio vascular do que as hemácias rígidas irreversivelmente afoiçadas. (5)

DOENÇA FALCIFORME/ Aspectos práticos sobre a conduta terapêutica.

As mutações no Oeste da África e sua rápida expansão ocorreu provavelmente em torno de pelo menos há 2000 anos.

O tráfico de escravos trouxe para os países das Américas, negros provenientes das mais diversas regiões da África. Disso teve início uma mistura de usos e costumes estranhos tanto para uns como para outros.

Na Bahia e Rio de Janeiro alguns aspectos da cultura africana na primeira proveniente do Golfo de Benin e no segundo de Angola e Congo, estão visivelmente presentes na alimentação, vestimenta, danças e cultos. O início do tráfico de escravos foi na segunda metade do século XVI e o fim entre 1770 e 1850, esta época predominando o tráfico clandestino.

Essas regiões constituem cinturões onde a malária é endêmica. Os negros que aí nasciam teriam mais chance de sobrevivência se tivessem o “traço” AS do que aqueles com hemoglobina normal (AA).

Dessa forma a AF é mais comum na raça negra. Num estudo de 98 pacientes com Anemia Falciforme (AF) no Estado do Rio de Janeiro feito em 1992 88 % dos pacientes eram da raça negra e 12% da branca (26 ).

A AF foi descrita na Literatura Médica por Herrick em 1910 . É uma anemia hemolítica hereditária caracterizada por início das manifestações clínicas a partir dos 4-6 meses de vida, maior incidência na população negra, icterícia por aumento da bilirrubina indireta, esplenomegalia nos primeiros anos de vida e autoesplenectomia a partir dos 11 anos de idade acompanhada de surtos de crises dolorosas, infecções e piora da anemia. O diagnóstico é firmado pelo estudo eletroforético da hemoglobina que dá um padrão SS.

A Anemia Falciforme é uma doença hereditária caracterizada pela presença da hemoglobina S em lugar da hemoglobina A ao estudo eletroforético da hemoglobina.

Devido a presença dessa hemoglobina anormal as células vermelhas se comportam de forma anômala adquirindo a forma de foice quando desoxigenadas. Isso determina um estado hemolítico contínuo, geralmente após o quinto mês de vida. Esse quadro pode-se agravar na vigência de diversos fatores, principalmente infecções, gravidez, exposição ao frio, poluição ambiental ,exposição a situações de menor tensão de oxigênio, etc.

Num estudo envolvendo 98 pacientes com AF (26) em 1992 num hospital no município do Rio de Janeiro , verificou que a idade a primeira consulta variou de 4 meses a 40 anos, com uma média de 10 anos. A proporção de pacientes com AF que tem sobrevivido até a idade adulta tem aumentado sendo a população estudada composta de 10 pacientes com idade maior que 40 anos (variou de 41 a 72 anos).

Entre as anemias hemolíticas o fenômeno da oclusão vascular da AF é único. Pela oclusão de pequenos vasos e algumas vezes dos grandes, a anemia falciforme causa injúria vascular. Nenhum mecanismo isolado explica a oclusão vascular; sua causa pode ser diferente de um evento para outro e sua gravidade difere entre os pacientes. Uma razão para a complexidade da anemia é que as pessoas com AF tem nas suas hemácias variáveis quantidades de diferentes hemoglobinas, principalmente hemoglobina Fetal. A oclusão vascular é iniciada e sustentada por interações entre as células falcêmicas, células endoteliais e constituintes do plasma.

Há trabalhos que descrevem medidas de aderência de glóbulos vermelhos a células endoteliais com fatores plasmáticos e interação plaquetária e leucocitária ao endotélio. A hipoxia estimularia a aderência das hemácias afoiçadas ao endotélio. Ocorre uma maior aderência dos reticulócitos siclêmicos às células endoteliais que é mediada pela trombospondina (68).

A desoxigenação dos drepanócitos induz à saída de potássio, com aumento da densidade celular e tendência da hemoglobina S se polimerizar. A quantidade de polímeros é dependente da concentração de hemoglobina S. Isso implica numa diminuição de sintomas clínicos de vaso oclusão quando ocorre reduções na taxa de hemoglobina S. As interações adesivas entre os drepanócitos e as células endoteliais ocorrem como resultado de injúria a membrana celular. Alterando o endotélio o equilíbrio entre os vasodilatadores e vasoconstritores orgânicos pode ser alterado em favor da vasoconstricção. A aderência da célula falcêmica à parede endotelial torna o fluxo sangüíneo mais lento, de tal modo, que sucessivos processos de polimerização de hemoglobina S, afoiçamento e oclusão vascular vão ocorrendo antes que a passagem de sangue pela microvasculatura é completada.

A granulocitose é um fator de risco para morte na AF. Os granulócitos interagem com os drepanócitos e células endoteliais e são estimulados para liberar citoquinas. As plaquetas alteradas liberam trombospondina que promove a adesividade de células afoiçadas as células endoteliais. Os reticulócitos que são liberados prematuramente da medula óssea (reticulócitos de stress) na doença hemolítica libera proteínas adesivas que facilitam interações entre os drepanócitos e as células endoteliais.

INFECÇÃO

Infecção Infantil: Na anemia falciforme a infecção logo no início da vida ocorre mais comumente sendo, portanto, importante o aconselhamento de pais sobre a imunização e a profilaxia com penicilina. Admite-se que nos pacientes com AF haja maior incidência de hipertrofia amigdaliana e que isso pode estar também correlacionado com crises álgidas, amigdalites, síndrome de seqüestro pulmonar e acidente vascular cerebral . Em 71 pacientes com AF no município do Rio de Janeiro em comparação com 72 indivíduos sadios da mesma raça e pareados pela idade, verificou-se que a hipertrofia amigdaliana foi mais prevalente nos pacientes com AF do que nos controles e que era mais acentuada naqueles com idade maior que 14 anos. Nesse trabalho também foi discutido se essa poderia ser uma causa de apnéia e consequentemente de acidente vascular cerebral (27).

Febre em criança com AF e idade inferior a 5 anos de idade geralmente indica infecção bacteriana grave havendo grande possibilidade da infecção por Meningite pneumocócica ou infecção por H. influenzae.

Crianças com Anemia Falciforme e sepse geralmente apresentam-se com febre acima de 38,9 C. A antibioticoterapia deve ser iniciada imediatamente uma vez que há a possibilidade de infecção por germes encapsulados. Proceder-se-á a culturas de sangue, urina e orofaringe

A sepse por pneumococos é uma causa importante de óbito devido à incapacidade do baço em retirar o germens encapsulados do sangue. Um estudo mostrou uma redução de 84% na sepse por pneumococos em crianças que recebia penicilina 125 mg duas vezes ao dia, profilaticamente no período que compreendeu entre os 3 meses de idade até os 3 anos, seguido por 250 mg duas vezes ao dia até os 5 anos ( 30 ).

As crianças mais velhas e/ou com hemoglobinopatia SC e com função esplênica normal não necessitam rotineiramente de profilaxia com penicilina.

A vacina contra streptococcus pneumoniae é recomendada para crianças aos 2 anos e reforço aos 5 anos. Mesmo com a vacinação, a proteção é imperfeita.

A atrofia e disfunção esplênica durante a infância (principalmente após os 4 anos de idade) leva a propensão a infecção por bactérias encapsuladas devido a diminuição da opsonização, mecanismo responsável pela fagocitose das bactérias encapsuladas.

A infecção com germes gram negativos é comum entre os adultos.

A Cefuroxime (100mg/g/24h) ou Cefoxitina são antibióticos eficientes contra cepas de H.influenzae resistentes à betalactamase. Nos casos de cepas não produtoras de betalactamases, pode-se empregar a Ampicilina (200-250 mg/Kg/24h).

Se houver suspeita de meningite proceder-se-á à punção lombar para estudo do líquor.

O paciente que apresentar febre e otite média, pneumonia ou infecção de trato urinário deve ser observado de perto pois pode evoluir para sepse.

Uma alternativa à hospitalização imediata é a obtenção de culturas, administração de antibióticos de amplo espectro como Ceftriaxone e observação do paciente por 6 a 8 horas na enfermaria ou na Emergência. Se não houver aumento da febre e se as condições clinicas do paciente não deteriorarem e a família for cooperativa, o paciente poderá ser mandado para casa, retornando no dia seguinte.

Se uma sepse for confirmada através de positividade à hemocultura, o paciente deve ser internado e receber antibioticoterapia parenteral por um mínimo de 7-10 dias.

A meningite bacteriana deve ser tratada por 10 dias.

Se: hemocultura, cultura de urina e de orofaringe estiverem negativas em 3 dias e o paciente estiver bem, a antibioticoterapia poderá ser suspensa e o diagnóstico será o de infecção presumivelmente viral. Se a doença persistir e as culturas continuarem negativas, o paciente deverá ser reestudado.

As pessoas da família ( crianças ou outros pacientes com Doença Falciforme) que entraram em contato com crianças infectadas com H. Influenzae deverão receber profilaxia (Rifampicina), mesmo tendo sido previamente vacinadas.

Toda suspeita de infecção pulmonar ou de infarto de costela deverá ser considerada como síndrome torácica aguda.

Infecção em Adultos: A infecção estreptocócica torna-se menos freqüente após a 1ª década da vida e as infecções devido à outros agentes patogênicos tornam-se mais comuns. As infecções tendem a ocorrer em áreas com lesões como: pulmões, rins e ossos.

As transfusões repetidas podem levar a alterações do sistema imune levando a maior propensão para infecções.

Após procedimentos cirúrgicos as infecções são freqüentes, principalmente após cirurgias de cabeça de fêmur ou colecistectomia.

Toda suspeita de infecção pulmonar e infarto de costela deve ser consideradas como síndrome torácica aguda.

Infecção do trato urinário: os pacientes com infecções graves devem ser internados e a mudança da antibioticoterapia é dependente da cultura e do antibiograma. Logo após a coleta a amostra urinária iniciar-se-á Aminoglicosídeos ou Cefalosporinas.

Osteomielite: é mandatório estabelecer-se o diagnóstico bacteriano antes de se iniciar o tratamento. Devem ser realizadas: hemocultura, cultura da medula óssea do local da lesão e coprocultura, logo que se suspeite do diagnóstico. É importante realizar-se pesquisa dos microorganismos : Salmonella, Stafilococus e M. Tuberculosis.

A osteomielite requer o acompanhamento pelo hematologista com antibioticoterapia por várias semanas (9,57,70).

Em uma série de 228 pacientes com diagnóstico de AF, estudadas entre 1960 a 1994, observamos uma prevalência de 5,7%. A idade variou de 8 meses a 42 anos, com uma média de 14,12 anos, D.P.: 13,39; a média das contagens de plaquetas foi de 389 000/mm3;D.P.:130; Hemoglobina:7,5 g/dl; D.P:1,275; LDH média: 532,7; D.P.: 135,1. A contagem de plaquetas no grupo de pacientes com osteomielite não foi diferente do grupo de pacientes sem osteomielite(p= NS).

Contagem de plaquetas

Pacientes com osteomielite e AF

Pacientes com AF

Média (mil)

404,91

386

Valor de p= 0,83 (NS)

O estudo comparativo entre a LDH do primeiro grupo e do segundo também não ofereceu diferenças estatisticamente significativas. O mesmo aconteceu com as dosagens de hemoglobina dos dois grupos.( observações não publicadas).

CRISES DE HIPERSEQUESTRO ESPLÊNICO (CHSE)

Ocorre principalmente em crianças. O pico de incidência vai dos 5 meses aos 2 anos. Após esta faixa os episódios são raros. Sua incidência nos pacientes de AF no município do Rio de Janeiro é de 7%( 26 ).

Em alguns casos pode vir associada a infecção viral. Durante as crises graves de seqüestro, o baço torna-se volumoso, ocupando todo o abdome, as vezes indo até a região pélvica. A hemoglobina cai rapidamente (1 a 2g/dl) podendo ocorrer choque hipovolêmico. A criança pode evoluir para o óbito poucas horas após os primeiros sinais desta complicação.

As indicações clínicas da CHSE são astenia súbita, intensa palidez cutâneo mucosa, taquipnéia, taquicardia, aumento do volume abdominal e vertigens. A contagem de reticulócitos tende a estar aumentada.

Os episódios leves são caracterizados por pequena esplenomegalia, podendo resolver-se espontaneamente.

É importante ensinar – se aos pais a palpação abdominal, para que estes tragam a criança ao hospital tão logo seja notado um rápido crescimento do volume do baço e aumento da palidez cutâneo- mucosa .

As crises de seqüestro podem ocorrer em crianças mais velhas com SC ou S Talassemia. Nestes casos as crises são leves, associadas à diminuição dos níveis de hemoglobina de 2 a 3g/dl e raramente há necessidade de terapia transfusional.

O tratamento das crises graves de hiperseqüestro esplênico é dirigido à pronta correção da hipovolemia com expansores plasmáticos e hemotransfusões.

Os pacientes que apresentarem mais de uma crise de hiperseqüestro devem ser encaminhados a esplenectonomia, devendo receber vacinas anti Pneumococos e anti Hemophilus influenzae, além de penicilinoterapia profilática (29).

CRISES APLÁSTICAS

Os pacientes apresentam-se com astenia, palidez cutâneo mucosa intensa e reticulocitopenia. Geralmente ocorre após infecção por Parvovírus. A anemia é acentuada durante este período. A melhora ocorre em 5 a 10 dias.

O Parvovírus Humano B19, um membro da família Parvoviridae foi detectado a princípio em soros de doadores de sangue assintomáticos.

O Parvovírus B 19 é conhecido como o agente etiológico do eritema infeccioso, doença que acomete crianças normais e cursa com febre moderada, edema de pequenas articulações e rash cutâneo facial. Em pacientes com anemia hemolítica hereditária pode levar à crise aplástica.

No Brasil sabe-se que a infecção pelo Parvovírus é comum . No Rio de Janeiro 52% dos adultos entre 20 e 30 anos de idade apresentam anticorpos. Quando se fez um estudo de prevalência de anticorpos na população do Rio de Janeiro, foi observado que a taxa de positividade aumentava com o aumento da idade (50) .

Foi feito um estudo de pacientes portadores de anemias hemolíticas hereditárias em 1994 no Rio de Janeiro. Foram estudados 92 soros de pacientes: 30 (32,6%) foram considerados imunes (IgG+) e 61 (66,3%) susceptíveis (IgG-) (25). Nos pacientes com anemia hemolítica hereditária e crises aplásticas sempre deve ser afastado a possibilidade de uma infeção pelo Parvovírus com agente etiológico da crise.

As amostras de sangue devem ser obtidas para a pesquisa de parvovirose IgG e IgM. O tratamento é sintomático com transfusões. Deve ser avisado à família para que as demais crianças com Doença Falciforme do grupo familiar sejam observadas pois podem estar contaminadas e apresentarem os mesmos sintomas ( proceder ao estudo sorológico da parvovirose no grupo familiar do paciente em questão ).

No mês de novembro de 1994 uma paciente com anemia hemolítica hereditária apresentou um quadro de aplasia eritrocítica assim registrado: paciente do sexo feminino, 18 anos, branca, portadora de microesferocitose hereditária. Procurou a Emergência do Instituto Estadual de Hematologia com febre de 3 dias de evolução, cefaléia, vômitos e queda do estado geral. A sua última transfusão havia sido aos 7 anos de idade. Ao exame físico a paciente apresentava intensa palidez cutâneo mucosa, ausência de icterícia e esplenomegalia moderada. A taxa de hematócrito estava em 11%; reticulócitos: 0,5%. Recebeu hemotransfusões e foi se recuperando, recebendo alta hospitalar 4 dias após. A sorologia para Parvovírus foi positiva para anticorpos IgM anti B 19 e negativa para IgG anti B 19 e para DNA viral pelo método de Hibridização de DNA (Dot Blot) (65).

O conhecimento do estado imunitário desses pacientes é importante, pois facilita o controle da infecção pelo B19 e da conseqüente crise aplástica provocada pelo vírus.

CRISES ÁLGIDAS

A dor é a experiência de toda uma vida para os pacientes com AF. As dores agudas ocorrem episodicamente variando em intervalo de paciente para paciente. Os episódios são mais intensos durante a infância quando os pacientes apresentam cerca de seis episódios maiores por ano.

Além desses episódios de dor aguda os pacientes também apresentam dores crônicas. Os pacientes com necrose avascular da cabeça do fêmur e úlceras de perna podem ter dores constantes causando um intenso desconforto nas atividades diárias, trabalho e vida escolar.

Os pacientes com dores crônicas necessitam de visitas periódicas ao médico e planos de intervenção terapêutica. Devem ser avaliado por uma equipe multidisciplinar que pode oferecer apoio: médico, psicológico, social e farmacológico. É importante o contato com professores para que as crianças não se sintam discriminadas em seu ambiente escolar

A caracterização da dor e terapia prévia inclui localização, gravidade e freqüência da dor, fatores precipitantes e sintomatologia associada.

Uma avaliação médica completa deve ser feita com exame físico, exames laboratoriais e imagens que definam as causas da dor, exclusão de outras condições médicas que possam acompanhar o quadro.

A radiografia dos locais de dor seguidas por ressonância magnética pode ser útil para o diagnóstico de infarto medular e necrose avascular óssea.

As principais manifestações clínicas da AF são os episódios de dor intensa no tórax, região dorsal, abdômen ou extremidades. Geralmente são devidas à lesões isquemicas secundárias à obstrução do fluxo sangüíneo pelas hemácias afoiçadas. A oclusão vascular se inicia e é sustentada por interações entre células afoiçadas, endoteliais e constituintes do plasma. A desoxigenação das hemácias afoiçadas induz a saída de potássio da célula o que leva a um aumento da densidade da mesma com tendência a se polimerizar (11 ).A aderência das hemácias afoiçadas às células endoteliais pode tornar mais lento o fluxo sangüíneo de tal modo que episódios sucessivos de polimerização de hemoglobina S, afoiçamento e oclusão vascular ocorrem antes que a passagem de sangue pelos microvasos seja completada. Múltiplas áreas são geralmente acometidas ao mesmo tempo e o acometimento simétrico é muito comum. Alguns autores ( 7) acreditam que as fases iniciais dos eventos são precedidos por espasmos vasculares. Esta visão é baseada em estudos anátomo- patológicos de pacientes com AF., nos quais havia evidência de enfarto orgânico na ausência de oclusão vascular e pelo vasospasmo arteriolar retiniano visto em pacientes falcêmicos antes e após o uso de bloqueadores dos canais de cálcio .Dando maior ênfase a essa hipótese, Baum et al (8 ) estudando pacientes com crise álgida na Jamaica, notaram que em mais da metade dos casos essas crises eram bilaterais e simétricas. As crises eram precipitadas pelo frio (que inicia alterações vasculares reflexas) e sem evidência de alterações hematológicas reprodutíveis precedendo as crises. Foi levantada então, a possibilidade de um desvio reflexo de sangue, com mediação central, para fora da medula óssea, Síndrome de Steal . Esta hipótese levanta a possibilidade de que a medula óssea, temporariamente isquêmica, precipitaria o afoiçamento, avascularização irreversível e necrose. O processo inflamatório desencadeado pela medula óssea necrótica poderia aumentar a pressão intramedular, prejudicando o fluxo sangüíneo para a medula óssea normal adjacente e promovendo novas áreas de necrose. Além disso, a medula óssea estaria susceptível ao bloqueio temporário do fluxo sangüíneo devido ao aumento da demanda metabólica e de consumo de oxigênio induzida pelo efeito secundário da hemoglobina S na hemólise e conseqüente expansão eritropoiética ( 30 ). No estudo feito por Gallo da Rocha et al (28 ) foi demonstrado que a utilização de um inibidor da enzima conversora da angiotensina, fosinopril sódico, pode prevenir a crise álgida da AF, dando maior sustentação ao papel do mecanismo neuro – humoral na gênese dessas crises. Além disso não houve nenhuma redução das taxas de hemoglobina, bilirrubina ou elevação da HF durante o tratamento com a enzima conversora da angiotensina.

60% dos pacientes com Anemia Falciforme tem pelo menos um episódio de dor intensa por ano. O evento doloroso geralmente dura de 4 a 6 dias, às vezes persistindo por semanas.

Através o estudo psicossocial poderá se definir os componentes de stress, condições co- mórbidas como depressão e tratamentos de apoio.

O estágio de desenvolvimento, as funções cognitivas e o humor devem ser determinados. As alterações de humor ocorrem com as crises dolorosas e são fatores preditivos do nível da dor. O controle da dor melhora o humor. O tratamento de uma depressão associada pode melhorar o estado clínico do paciente. A dor influencia no comportamento do paciente dentro da família, no desempenho no trabalho ou na escola, na interação com os colegas e no comportamento dos pais.

Os fatores precipitantes são: hipoxia, infecção, acidose, desidratação, resfriamento da pele, gestação, ansiedade e depressão.

Se a síndrome torácica aguda estiver presente é importante obter- se radiografias de tórax, gasometria arterial, hemoculturas e culturas de escarro ou de lavado brônquico para bactéria e vírus.

Se houver osteomielite ou artrite séptica a aspiração óssea ou articular e envio do material para cultura, assim como obter-se uma radiografia óssea ou ressonância magnética da região acometida é importante para saber-se o agente microbiano envolvido e a extensão do processo infeccioso.

No tratamento dos episódios álgidos faz- se mister a identificação dos fatores precipitantes, para se iniciar a terapia prontamente. A hidratação venosa é indicada nos casos álgidos mais intensos. É feita a correção dos deficits de líquidos e eletrólitos e a administração de volume . A quantidade de liquido a ser ministrada em adultos é cerca de 3 a 4 l/dia (glicose a 5%) se não haver descompensação cardíaca A criança deve receber 150ml/Kg/dia. Alguns pacientes perdem sódio renal, devendo, portanto, os eletrólitos serem verificados em dias alternados. Os analgésicos empregados de início são o piramido e mais comumente o acetaminofen. O acetaminofen deve ser usado com cautela em pacientes com insuficiência Renal. A aspirina pode causar hiperuricemia.

Em alguns casos os narcóticos mais potentes como a meperidina são empregados (1,5 mg/Kg/dose cada 2-4 horas) IM ou IV. Os pacientes com lesões neurológicas ou renais não devem receber meperidina pelo aumento na incidência de convulsões com o uso desse medicamento.

Prevenção da dor: evitar hipoxia, desidratação, resfriamento da pele, natação em água fria. Em casos de crise álgidas de repetição anotar o dia do início e do final da crise para ser estudado o intervalo destas. Anotar também as crises de priapismo ( hora de início, término e medidas que precipitam ou aliviam as mesmas ). Se o paciente após 4 horas permanecer com dor , ele deve ser internado.

SÍNDROME TORÁCICA AGUDA

A síndrome torácica aguda (STA) é definida pelo aparecimento de um infiltrado pulmonar recente com sintomas respiratórios ou dor torácica.

A síndrome torácica aguda é a causa mais comum de morte e a Segunda causa mais comum de hospitalização na AF. (54) Ocorre mais na Hemoglobinopatia SS do que na Hemoglobinopatia SC ou na S Beta Talassemia.

Clinicamente a STA é mais grave do que a pneumonia na população geral, com acometimento multilobar, hipoxia intensa e evolução rápida mesmo com intervenção rápida. A STA ocorre mais freqüentemente em crianças (25%).A incidência cai nos adultos para 8%. O nível de HF é inversamente proporcional ao aparecimento de STA e o aumento do nível de HF de 5 para 15% diminui a incidência de STA em metade dos casos. ( 54) O haplotipo CAR tem STA com mais freqüência e maior gravidade do que os haplotipos Benin e Senegal (54 ) . Embora a STA seja geralmente autolimitada, ela pode progredir para insuficiência respiratória e a mortalidade é em torno de 4% no adulto. (13)

A etiologia da STA ainda está em investigação. O National Acute Chest Study Group estudou 538 pacientes com STA num protocolo diagnóstico em que foi feita broncoscopia com estudos bacteriológicos. (76) . Um número grande de micro-organismos foram isolados: S. aureus, Mycoplasma, E. coli, H influenzae (vide etiologia abaixo ). Cerca de 2% de STA que ocorrem em pacientes com mais de 10 anos apresentam hemocultura positiva (sepse). Foram isolados: Streptococos Pneumoniae, Staph aureus, Salmonella e Enterobacter (76). Discute-se ainda se as bacteremias são secundárias a infecções pulmonares (isto é, STA secundária a pneumonia) ou se são iniciadores de fenômenos vaso- oclusivos da síndrome torácica.

Todos os estudos sugerem que a pneumonia bacteriana não é o fator etiológico mais importante na STA em adultos. Nenhum agente bacteriano isolado se repete sempre nos casos de STA. Pneumonias viróticas, por Mycoplasma ou Clamydia podem ser desencadeantes de STA em crianças, porém mais raramente em adultos .Foi notado também uma variação sazonal; menor no verão com aumento da prevalência no inverno (76). Essa observação sugere que as pneumonias virais ou episódios vaso oclusivos precipitados por infecção respiratória virótica, podem ser agentes etiológicos de STA, principalmente em crianças.

Alguns episódios de STA resultam de infarto pulmonar, que leva a hipoventilação e algumas vezes à atelectasia segmentar pulmonar.

A embolização gordurosa secundária à necrose de medula óssea é uma causa freqüente de STA severa em adultos. A necrose medular pode ser secundária a infecções pelo Parvovírus B19(33). A demonstração de macrófago com gordura em lavados broncoalveolares é particularmente comum na STA implicando dessa forma a embolização da medula óssea como um importante fator etiológico.

A elevação da enzima fosfolipase A2 tem sido descrita na STA e seus níveis correlacionam com a gravidade da doença. Essa enzima libera ácidos graxos livres que contribui para a lesão pulmonar na embolia gordurosa. Se os futuros estudos demostrarem que esta enzima se correlaciona com a embolização pulmonar na STA, a sua determinação tornar-se-á uma medida diagnóstica não invasiva importante de STA causadas por embolização gordurosa pulmonar. Os pacientes que fazem embolização gordurosa pulmonar apresentam um risco maior de evoluírem para falência multiorgânica, uma complicação muitas vezes fatal. A evolução clínica pré mórbida desses pacientes caracteriza-se por crise álgida recente em uma das extremidades, dor torácica e toxemia grave. O embolismo pulmonar na AF tem incidência variável: de 13 a75% (38).

As hemácias alcançando os vasos pulmonares dos pacientes com anemia falciforme ficam desoxigenadas e portanto com polímeros de Hb S. As artérias pulmonares tem maiores proporções de hemácias afoiçadas do que outros leitos vasculares, por conseguinte o pulmão é o maior alvo para complicações agudas e crônicas da anemia falciforme. Além disso, qualquer doença pulmonar ou estado de hipoventilação, mesmo não relacionado a anemia falciforme, leva um risco de hipoxia local ou sistêmica. Isto, por sua vez precipita ou contribui para oclusão de vasos pulmonares pelo aumento de polimerização da hemoglobina S intracelular e afoiçamento das hemácias. A hipoxia também contribui para a alteração no contato: célula vascular e hemácia contribuindo assim para o oclusão vascular nos pacientes falcêmicos.

A STA é uma complicação comum e algumas vezes fatal; ocorre em 40% das pessoas com AF. É mais comum, porém menos grave, na infância e pode ocorrer em pós operatórios.

As manifestações são: febre, dor torácica pleurítica, dor abdominal referida, tosse, infiltrado pulmonar e hipoxia.

Qualquer infiltrado novo acometendo pelo menos um segmento de um lobo pulmonar, independente da etiologia infecciosa ou não, considerar como STA Sabe-se que 50% de todos pacientes com AF tiveram ou terão pelo menos 1 episódio de STA. A probabilidade de recidivas é em torno de 50% . A STA pode resultar em doença pulmonar crônica.

Os lobos acometidos são os inferiores em 80% dos casos. A ausculta pulmonar freqüentemente apresenta-se com estertores subcrepitantes e submacicez à percussão. O derrame pleural quando presente é pequeno.

Investigação e diagnóstico: deve-se determinar a etiologia e a incidência de agentes infecciosos e não infecciosos, seguir um protocolo padronizado para caracterizar a gravidade clínica, dados físicos, laboratoriais e histopatológicos com etiologia específica.

Etiologia:

Infecciosa: Pneumococcus, E.Coli, H.Influenzae, Klebsiella, Chlamydia pneumoniae, Mycoplasma, Legionella, Vírus – Influenzae, RSV, CMV, Parvovírus, Adenovírus Parainfluenzae.

Não infecciosa: infarto pulmonar, atelectasia pulmonar, edema pulmonar, trombose de veia profunda, infarto de costela.

Portanto: A STA é uma causa comum de admissão hospitalar dentre os pacientes com AF e em todos os casos representam uma emergência médica.

É uma doença aguda caracterizada por dor torácica, febre, prostração e infiltrados pulmonares ao RX de tórax . Em adultos e crianças, pode ser devida à infecção pulmonar por bactérias ou vírus ou infarto de costela.

Os testes sorológicos e as culturas devem ser obtidas. Embora a doença seja freqüentemente auto-limitada, principalmente quando uma pequena área do parênquima é acometida, pode haver uma rápida progressão e óbito.

Diagnóstico Clínico: A STA pode se desenvolver como um evento isolado ou durante o curso de uma crise álgida vásculo-oclusiva. A dor pleurítica é o sintoma predominante em adultos. Nas crianças pequenas, febre, tosse e taquipnéia são geralmente os únicos sinais e sintomas . O acometimento da pleura diafragmática pode levar à dor abdominal.

No exame físico geralmente nota-se taquipnéia e, algumas vezes atrito pulmonar. Podem também ser evidenciados sinais de consolidação pulmonar e derrame pleural.

Diagnóstico Laboratorial: O RX de tórax pode estar normal e não ser diagnóstico nos primeiros dois ou 3 dias de STA, porém freqüentemente se apresenta com um infiltrado em um ou mais lobos com ou sem derrame pleural.

Proceder-se-á à bacterioscopia e cultura de escarro, hemocultura, estudo do líquido pleural, assim como a lavagem brônquica para a pesquisa de bactérias e vírus. Deverá ser verificada a gasometria arterial ou oximetria de pulso. Demais exames a serem realizados : hemograma, contagem de reticulócitos, pesquisa de anticorpos IgM anti Mycoplasma, CMV e Parvovírus.

Tratamento: Analgésicos / evitar narcóticos, hidratação e oxigenoterapia. Em 2 a 5% dos casos de STA há hemocultura positiva devendo-se iniciar logo a antibioticoterapia com penicilina, ampicilina ou cefalosporina. A eritromicina deve ser dada em caso de suspeita de pneumonia por Mycoplasma. A eritracitaferese deve ser feita quando houver acometimento de vários lobos, doença rapidamente progressiva, ou sinais de Insuficiência Respiratória (PO2 < 60mm Hg em adultos ou < 70mm Hg em crianças).

O uso de heparina não é recomendado a não ser que esteja comprovado o tromboembolismo pulmonar ( estudo cintigráfico ).

Em adultos com STA é importante ter em mente os seguintes objetivos: prevenção da atelectasia pelo controle da dor com analgésicos narcóticos e incentivar espirometria. A espirometria pode evitar episódios de STA em pacientes com isquemia torácica e/ou infarto.

Evitar hidratação limitando a entrada de líquidos e a velocidade de infusão. Acompanhamos um caso de STA em que uma paciente deu entrada na Sala de Emergência com dor torácica intensa e dispnéia. Ainda não tinha dado tempo para ser feito gasometria arterial ou RX de tórax. À ausculta tinha estertores na base pulmonar esquerda e pequeno atrito pleural. O cardiologista que nos acompanhava, após termos explicado a suspeita clínica e a gravidade da situação, resolveu tratar a paciente como se estivesse tratando de uma caso de Edema Agudo Pulmonar. A paciente começou a urinar tanto que o pessoal da limpeza hospitalar pensou que tivesse algum vazamento na Sala de Emergência pois a paciente urinou-se em grande quantidade. Em cerca de 30 minutos após a medicação a paciente estava com intenso alívio e saindo do quadro.

Oxigenoterapia.

Diminuir a quantidade de hemácias afoiçadas: Isso é obtido através transfusão de sangue ou eritracitaferese. A principal indicação de eritracitaferese é a piora da função respiratória. A freqüência dos episódios de STA pode ser diminuída com o uso de Hidroxiurea. Alguns trabalhos sugerem uma relação entre doença pulmonar obstrutiva crônica e episódios freqüentes de STA. (67)

ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ( AVC )

O Acidente vascular Cerebral(AVC) é uma das piores complicações da Anemia Falciforme. Cerca de 5% a 10% das crianças com AF desenvolverão AVC, principalmente durante a primeira década da vida. A prevalência de AVC em pacientes com AF é de 9,1% no Brasil (26).

Em 228 pacientes com AF, matriculados num hospital do Estado do Rio de Janeiro, de 1960 a 1994, 22 (9,6%) tiveram Acidente Vascular Cerebral (AVC). A idade variou de 1 a 42 anos; média de idade: 12,2 anos. 18/22 pacientes (81%) tiveram AVC com menos de 15 anos de idade; 81% dos pacientes que apresentaram AVC tinham menos de 15 anos de idade.(Gallo da Rocha, em publicação). Havia 6 pacientes com SBeta Talassemia e nenhum desses pacientes apresentaram AVC. Dos 17 pacientes com hemoglobinopatia SC, nenhum apresentou AVC.

O AVC pode ser devido a numerosos fatores fisiopatológicos diferentes ou a uma lesão cerebral progressiva: os infartos cerebrais ocorrem mais em crianças; nos adultos predomina a hemorragia ( 62).É importante saber se a criança tem apnéia noturna, definida pela mãe como roncos, geralmente devido a aumento das adenóides e amígdalas palatinas. Um estudo feito no Rio de Janeiro foi notado uma maior prevalência de hipertrofia amigdaliana em pacientes com AF do que na população geral ( 27). Isso já havia sido descrito anteriormente e levantou-se a hipótese da relação das apnéias noturnas com hipoxia cerebral noturna e incidência de AVC.(70) A associação de síndrome torácica aguda e a ocorrência de AVC foi descrita recentemente ( 51). O nível baixo de hemoglobina e a contagem maior de granulócitos e plaquetas tem sido apontadas como fatores de risco para AVC(5).Não encontramos no trabalho feito no Rio de Janeiro, diferença estatisticamente significativa quanto a esses níveis, discordante do trabalho da Jamaica, porém de acordo com o trabalho dos EUA (62).

A taxa de recidiva, isto é, de outros episódios de AVC foi de 30% , um pouco menor que na Jamaica com uma taxa de 46% (70 ).

No trabalho acima relatado (Gallo da Rocha, em publicação) em que foram estudados 252 pacientes com DF o AVC só ocorreu nos pacientes com AF (SS) e não nas outras populações de pacientes com DF, (Hemoglobinopatia SC; S Beta Talassemia e Hemoglobinopatia SD).

Os pacientes com AF que desenvolvem AVC geralmente no início da infância. Powars em 1978( 58 ) registrou uma média de idade de 7,7 anos no primeiro episódio de AVC em 35 pacientes com AF que desenvolveram AVC. Sarnaik ( 27) relatou uma média de idade de 6 anos entre 48 pacientes. Searjeant descreveu (70) que a média de idade era de 4,8 anos aos 14 anos com 83% dos eventos ocorrendo entre 3 e 10 anos.

Na nossa casuística a idade variou de 1 a 42 anos, com uma média de idade de 12,2 anos; 81% dos pacientes que apresentaram AVC tinham menos de 15 anos de idade.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo de pacientes com AVC e a população geral dos pacientes com AF com relação à contagem de plaquetas, nível de hemoglobina ou percentagem de HbF.

A pesquisa clínica por questionamento a 62 pacientes adultos ou mães de crianças que tiveram AVC, resultou no registro dos seguintes sintomas e sinais neurológicos:

Hipoacusia: descrita na AF com várias hipóteses na tentativa de explicá-la. A mais aceita é que seria secundária a lesão no nervo auditivo por isquemia. dois pacientes relataram esse sintoma, um como seqüela de meningite quando criança e outra paciente o relatou como sintoma isolado e progressivo com a idade principalmente do ouvido esquerdo (paciente de 39 anos).

Neuropatia Periférica: É rara na AF e relacionada a intoxicação pelo chumbo(70) em alguns casos. Na nossa casuística uma paciente de 62 anos de idade, com Hb de 6g/ dl, contagem de plaquetas de 291 000/mm3, queixava-se de parestesias nas mãos há cerca de dois anos. Não tinha soropositividade ao HIV nem ao HTLVI e II , porém o tinha à Hepatite C. Não se submeteu à biópsia de nervo. Outra paciente de 25 anos, relatou anestesia na região mentoniana, sintoma esse que perdurava por cinco anos, cuja origem foi atribuída a uma lesão no vasa nervorum do ramo inferior do nervo facial.

Cefaléia: As cefaléias geralmente são relatadas como severas. Na nossa pesquisa clínica- questionamento, 6,4% dos pacientes apresentaram cefaléias severas.

Crises convulsivas: Dois casos ocorreram após AVC. Outros 9 pacientes apresentaram- nas como manifestação neurológica isolada. Todos os 9 pacientes apresentavam ataques tipo grande mal epiléptico.

Demência e torpor mantidos: Ocorreu em 1 paciente (1,6%) 6 meses após o primeiro AVC, durante a evolução de um segundo AVC. Havia comprometimento neurológico importante e grande área de necrose cerebral. Estava em tratamento com regime de hipertransfusão.

As crianças com AF que sofrem um episódio de AVC geralmente recebem um regime de transfusões crônica para impedir recidivas(77). Os riscos de transfusão são a aloimunização que ocorreu em 20% dos pacientes em regime de hipertransfusão (HP).

Fisiopatologia:

O infarto geralmente ocorre devido à lesão de grandes artérias cerebrais. A alteração mais comum à arteriografia é o estreitamento acentuado ou oclusão completa das artérias: carótida, cerebral média e/ou anterior. O acometimento múltiplo, bilateral de vasos é comum, mesmo em pacientes com sinais unilaterais. O estreitamento do vaso é conseqüência da proliferação da média e da íntima. O endotélio irregular pode servir como foco para a adesividade plaquetária ou de células afoiçadas e formação de trombos. O evento completo ocorre quando o vaso é totalmente ocluído por trombo ou êmbolo ou quando o estreitamento é tão importante que compromete o fluxo distal. O espasmo de vasos ou pequenos êmbolos podem levar à sintomas neurológicos transitórios. A membrana celular alterada pode levar a um aumento da possibilidade trombogênica.

A hemorragia intracraniana pode ser intracerebral ou subaracnóide e geralmente é o resultado de ruptura de um aneurisma do polígono de Willis. A hemorragia intracerebral pode também ocorrer, algumas vezes anos mais tarde, em pacientes que tiveram um infarto cerebral prévio.

Diagnóstico:

Os meios mais aceitos para fazer-se o diagnóstico são a ressonância magnética e a tomografia com emissão de pósitrons (59). A T.C. (tomografia computadorizada) sem contraste pode estar normal no início do quadro, mas é útil para o diagnóstico diferencial com hemorragia, abcesso, tumor ou outras alterações. Se o exame é realizado 2 à 7 dias depois do AVC pode demonstrar edema da área infartada. Em alguns pacientes a injeção de contraste pode ser necessária para visualizar a lesão.

A punção lombar só poderá ser realizada nos casos em que a T.C. ou a ressonância magnética (RM) não apresentarem evidências de hipertensão intracraniana. A punção lombar pode ser útil na detecção de hemorragia ou infecção.

A arteriografia não é necessária para se confirmar infarto cerebral demonstrado por T.C. ou R.M., mas pode ser útil no esclarecimento diagnóstico de um paciente sintomático com T.C. e R.M. normais. Para se realizar uma arteriografia cerebral é importante que o paciente esteja adequadamente hidratado e tenha seu nível de HbS reduzido a menos de 30% ,além de uma supervisão médica adequada. A arteriografia geralmente não é necessária para pacientes com outras queixas neurológicas como cefaléias persistentes, síncopes ou convulsões. Entretanto estes pacientes devem ser examinados pelo neurologista e podem necessitar de T.C. ou R.M.

Os pacientes com episódio isquêmico transitório, devem ser submetidos a T.C. ou a R.M. Se estas estiverem normais, deve-se proceder a uma arteriografia.

Tratamento:

  • Os pacientes na fase aguda do AVC devem ser cuidadosamente observados para os sinais de progressão ou evolução rápida do quadro.
  • O cuidado intensivo é essencial para alguns pacientes.
  • Os agentes farmacológicos usados para diminuir o edema cerebral geralmente são empregados.
  • A assistência ventilatória pode ser necessária. A hiperventilação deve ser evitada. O neurologista e o hematologista devem acompanhar juntos os casos.
  • Durante a fase aguda do infarto cerebral podem ocorrer crises convulsivas, sendo necessário o uso de anticonvulsivantes.
  • A reabilitação deve ser iniciada ainda durante a fase aguda.
  • A transfusão de concentrado de hemácias, tão logo que possível é importante para se prevenir a progressão do AVC agudo. A eritracitaferese é usada para se diminuir o nível de HbS a menos de 30%.

Prevenção de Recidivas de AVC:

As recidivas ocorrem em pelo menos 2/3 dos pacientes que não são cronicamente transfundidos, mantendo-se o nível de HbS < 30%.

A duração da terapia transfusional é desconhecida. O risco de recaída é maior nos primeiros 3 anos após o evento inicial.

Muitos centros transfundem os pacientes por 3 a 5 anos e então diminuem a intensidade de transfusões. Outros transfundem por um tempo mais prolongado e usam terapia quelante de ferro (desferrioxamina) para prevenir sobrecarga de ferro. Sempre se acreditou que os sintomas neurológicos que ocorrem durante a terapia transfusional podem ser devido à dificuldade em se manter o nível de HbS a menos de 30% ou à alteração neurológica de base. A terapia transfusional inadequada pode ser devida à freqüência inadequada de transfusões, desenvolvimento de alo ou de auto anticorpos ou perda sangüínea, A aloimunização ocorreu em 20% dos nossos pacientes em regime de hipertransfusão (HP). Há trabalhos que relatam recidivas logo que se pára as transfusões(78). Dois de nossos pacientes em pleno regime de HP fizeram outro episódio de AVC.

A eficácia da terapia profilática de recidivas de AVC, com ácido acetil salicílico em pacientes com AF não está comprovada até o momento.

O incremento de anemia nos pacientes com AF aumenta o risco de AVC, já que essa situação proporciona um aumento de fluxo e velocidade sangüínea que leva a um stress na parede endotelial dos vasos além dos episódios vaso oclusivos que terminam em uma circulação colateral conhecida como moya moya , que significa ‘baforada de fumaça” em alusão ao aspecto arteriográfico dessas oclusões associadas às colaterais (70).

A partir de uma publicação em novembro de 1999, tomamos conhecimento que o uso da Hidroxiuréia em pacientes com AF e AVC está sendo conduzido. Nesse artigo há a pretensão dessa forma de tratamento como uma das alternativas ao regime de hipertransfusão (77 ).

AVC HEMORRÁGICO

Os pacientes que sofreram acidente vascular cerebral podem ter como seqüelas lesões vasculares que não podem ser prevenidas pela terapêutica transfusional.

Os pacientes com hemorragia intracerebral ou subaracnóide podem apresentar déficits neurológicos focais, cefaléias severas, aumento da pressão intracraniana ou coma. A progressão para o óbito ocorre em 50% dos casos. Quando há hemorragia, a arteriografia é necessária para se determinar se uma lesão pode ser corrigida cirurgicamente. A eritracitaferese deve ser realizada em todos os pacientes devido ao perigo inerente à arteriografia. O espasmo vascular na área da hemorragia pode levar a infarto secundário nos pacientes com AF. Uma exsangüíneo transfusão imediata é recomendada.

Não há dados comprobatórios sobre a eficácia da terapia transfusional a longo prazo em pacientes com hemorragia craniana. Embora a mortalidade seja alta durante a fase aguda do AVC hemorrágico, o prognóstico a longo prazo é relativamente bom se o paciente sobrevive.

COMA AGUDO DEVIDO A HIPOXIA ARTERIAL GENERALIZADA

O paciente com DF pode também apresentar, porém mais raramente, uma síndrome pós hipoxia arterial caracterizada pela deterioração da função neurológica rápida e progressivamente, geralmente sem sinais neurológicos focais e evolução para o coma . O paciente pode apresentar sinais de decorticação ou mesmo postura de descerebração. A T.C. craniana geralmente está normal. Esse quadro pode ser acompanhado de outros sinais de lesão tissular aguda, como necrose da medula óssea, necrose centrolobular aguda hepática ou disfunção renal. Os sinais de lesão tissular aguda costumam se resolver, levando a normalização do exame neurológico 1 a 3 semanas após.

A síndrome (provavelmente o mesmo que “embolia gordurosa”) aparentemente acontece devido ao afoiçamento de hemácias na árvore arterial cerebral devido à hipoxia. Esta hipoxia é suficiente para provocar um quadro de disfunção neuronal sem necrose. Esta hipoxia é geralmente induzida por doença pulmonar aguda e progressiva que diminui a capacidade de troca de oxigênio. A síndrome ocorre durante um episódio agudo de crise álgida e é secundária a um shunting direito-esquerdo do sangue através um foramen ovale patente devido à hipertensão pulmonar.

Tratamento: Esta síndrome deve ser tratada rápida e agressivamente, iniciando-se com exsangüíneo transfusão ou eritracitaferese. O tratamento com oxigênio hiperbárico (2-3 horas a 2 atm/d) deve ser feito sempre que possível. O tratamento agressivo da hipoxia, inclusive com o uso de pressão positiva expiratória, se necessária, é importante, assim como o tratamento de todas as complicações. A maior parte dos pacientes evoluem positivamente se a morte não sobrevir logo no início do quadro.

TRANSFUSÕES

As transfusões não são necessárias para a anemia usual do paciente com Anemia Falciforme ou nas crises dolorosas. A hemotransfusão é necessária nos casos de anemia refratária com Hiperseqüestro esplênico ou pela crise aplástica induzida pelo Parvovírus B19.

As transfusões podem ser empregadas para indicações específicas no tratamento de pacientes com Doença Falciforme porém, o número destas deve ser limitado. Sempre que possível devemos evitá-las.

Um princípio importante na terapia transfusional dos pacientes com AF é evitar-se o aumento da viscosidade sangüínea. As hemácias afoiçadas são menos deformáveis do que as normais e aumentando-se o hematócrito aumenta-se a viscosidade sangüínea à níveis perigosos. Dessa forma, as transfusões devem ser feitas com cautela quando os níveis de hematócrito estiverem acima de 20% nas crianças e de 25% nos adultos. Em caso de necessidade o ideal é submeter o paciente a eritracitaferese.

Indicações para transfusões na AF:

  • Necessidade de se melhorar a capacidade carreadora de oxigênio das hemácias.
  • Pacientes com anemia severa apresentando alterações no débito cardíaco, dispnéia, hipotensão postural, angina ou disfunção cerebral.
  • Pacientes com diminuição súbita da concentração de hemoglobina, principalmente os pacientes com crise de seqüestro hepático ou esplênico agudo, manifestada por um aumento súbito do tamanho do fígado ou do baço e queda abrupta dos níveis de hemoglobina ou hematócrito.
  • Pacientes com fadiga e dispnéia, geralmente com concentração de hemoglobina abaixo de 5 g/dl e com níveis de hematócrito abaixo de 15% associados a hipoplasia ou aplasia eritróide.
  • Necessidade de melhora da perfusão tissular pela diminuição da proporção de eritrócitos contendo HbS.

Eritracitaferese:

Várias condições podem ser consideradas como indicadoras para eritracitaferese:

  • AVC agudo
  • TIA
  • Síndrome da Hipoxia Arterial (Síndrome da Embolia Gordurosa)
  • Doença pulmonar progressiva aguda
  • Priapismo agudo sem resposta ao tratamento inicial
  • Cirurgia ocular mesmo quando feito sob anestesia local

INDICAÇÕES INCERTAS DE TRANSFUSÕES

Em algumas ocasiões a prática em algumas Instituições é de fazer-se a exsangüíneo transfusão, entretanto, não existem, até o momento, evidências conclusivas de que a prática é útil ou necessária. Estas ocasiões são as seguintes:

  • Pré operatório de uma cirurgia com anestesia geral
  • Antes da injeção de contrastes para estudos radiológicos
  • AVC com manutenção da proporção de eritrócitos normais circulantes de 70% por transfusões simples de repetição por um período mínimo de 3 anos.

Esta terapia não está indicada para:

  • úlceras de perna
  • enxertos de pele
  • gravidez
  • insuficiência orgânica crônica.

OBS.: Quando os pacientes em programa de transfusões crônicas tem-nas suspensas, muitos apresentam uma exacerbação dos sintomas que pode perdurar por várias semanas ou meses, muitas vezes sendo necessária a reinstituição da terapia transfusional com retirada gradativa a posteriori.

CONTRA INDICAÇÕES

As seguintes condições não são consideradas como indicações de terapia transfusional, portanto seu uso não é recomendado:

  • Anemia crônica compensada. A maior parte dos pacientes com A.F. são relativamente assintomáticos e não necessitam de transfusões para melhorar sua capacidade carreadora de oxigênio.
  • Episódios dolorosos não complicados
  • Infecções menores
  • cirurgias menores (biópsias, etc.)
  • necroses avasculares

Produtos Sangüíneos a Serem Empregados: Para a maior parte dos pacientes, a “idade” da bolsa de sangue não é importante se ela segue os limites da Lei. Eritracitaferese com sangue de menos de 5 dias é útil em situações agudas em que se necessita da imediata correção da capacidade carreadora de oxigênio. Todo sangue deve ser estudado para presença ou não de Hemoglobina S. Este procedimento elimina os doadores com traço falcêmico. Uma vez os pacientes com AF recebam transfusões deste tipo de doadores os exames posteriores poderão deixar dúvidas quanto à interpretação da proporção de HbS.

Todos os pacientes que já receberam transfusões devem ser estudados para presença ou não de aloanticorpos. O estudo da eficiência de um programa de transfusão crônica deverá ser feito periodicamente com a determinação da proporção de HbS e do nível da hemoglobina. Em pacientes com história de reações transfusionais febris, deve-se utilizar filtros leucocitários durante as próximas transfusões.

MÉTODOS TRANSFUSIONAIS

1) Transfusões simples:

Podem ser empregadas para anemia aguda ou hipovolêmica ou num programa de transfusões a longo prazo.

2) Eritracitaferese :

É empregada quando se deseja aumentar rapidamente o nível de hemoglobina com substituição das hemácias afoiçadas por hemácias normais. Este tipo de transfusão reduz a concentração de hemácias afoiçadas sem aumentar substancialmente o volume globular ou a viscosidade sangüínea. As complicações da eritracitaferese são as mesmas dos regimes transfusionais crônicos ou agudos.

COMPLICAÇÕES DAS TRANSFUSÕES

1)- Sobrecarga de volume: Ocorre quando muito volume é transfundido rapidamente principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca.

2)- Sobrecarga de ferro: Todos os pacientes hipertransfundidos devem ter a ferritina sérica verificada periodicamente. Se esta exceder 2.500 a 3.500mg/ml e as transfusões ainda forem necessárias, os pacientes deverão ser submetidos à terapia de quelação crônica de ferro empregando-se a desferrioxamina .Quando possível, a excreção urinária de ferro deverá ser medida após o emprego da desferrioxamina (20mg/g – 40 mg/g).

3)- Aloimunização: A incidência de aloimunização aos antígenos de membrana eritrocitária nos pacientes com DF é em torno de 20-25%. Isto acarreta dificuldades nas provas de compatibilidade sangüínea levando a uma alta incidência de reações transfusionais hemolíticas retardadas. Estas ocorrem 5 a 20 dias após uma transfusão. Trinta porcento ou mais destes anticorpos podem desaparecer com o tempo, embora o recipiente possa desenvolver uma resposta anamnéstica a estímulo posterior. Num estudo sorológico de 22 pacientes com AVC e hipertransfusão 20% desenvolveram aloimunização (observações não publicadas). A reação hemolítica retardada pode resultar em anemia intensa, início de crise álgida, insuficiência renal aguda ou mesmo morte. A redução de reações transfusionais hemolíticas e aloimunização pode ser conseguida seguindo-se as recomendações:

  • Manter registradas todas as transfusões e suas complicações;
  • Limitar o número de transfusões administradas;
  • Pesquisar anticorpos cada 1 a 2 meses pós transfusão;
  • Diminuir a oportunidade de aloimunizações, fenotipando- se o sangue do paciente e do doador;
  • Lembrar que um paciente aloimunizado a um determinado antígeno de hemácias mais provavelmente tornar-se-á aloimunizado para outros antígenos;
  • As transfusões só devem ser feitas com indicações precisas. Os pacientes devem ser aconselhados para avisarem a qualquer médico que os atenda pela primeira ou segunda vez sobre sua história de aloimunização. O cartão de identificação com o fenótipo das hemácias e os anticorpos detectados devem ser listados no prontuário médico; o paciente deve portar um cartão explicitando sua imunofenotipagem sangüínea e os anticorpos que ele possui.

 ANEMIA AUTO-IMUNE APÓS ALOSENSIBILIZAÇÃO

Alguns pacientes altamente aloimunizados desenvolvem uma síndrome de anemia hemolítica autoimune. Nesse caso, o paciente pode tornar-se mais anêmico após transfusão. O teste de Coombs torna-se fortemente positivo. As hemácias incompatíveis transfundidas serão destruídas, além da destruição das próprias hemácias do paciente, podendo levar a insuficiência renal aguda. Esta síndrome ocorre pela produção de anticorpos dirigidos contra as próprias hemácias dos pacientes. Pode persistir por várias semanas e até 2 a 3 meses antes que desapareça. Uma transfusão posterior geralmente é complicada pela presença do anticorpo autoimune e requer testes hemoterápicos para se encontrar um sangue o menos incompatível possível para que se possa proceder à uma transfusão.

Com relação à presença de alo anticorpos a leucócitos, plaquetas e proteínas séricas, observar:

  • Os pacientes transfundidos podem se tornar aloimunizados à antígenos presentes nos leucócitos e/ou plaquetas, sem o estarem às hemácias. Estes anticorpos podem levar a uma reação febril que é prevenida pela remoção dos leucócitos antes da transfusão. Os anticorpos contra as proteínas séricas podem causar reações alérgicas evitadas pelo uso profilático de antihistamínicos ou concentrado de hemácias lavadas.

INFECÇÃO

A hepatite ou outras doenças transmitidas pelas transfusões sangüíneas tem a mesma incidência em pacientes com DF do que em outro tipo de doença.Em1991 a incidência de sorologia positiva para o vírus da Imunodeficiência adquirida (AIDS) em pacientes portadores de hemoglobina S era menor que 1% (49) .

O virus HTLV I (Human T Cell lymphoma virus) é um retrovírus isolado de pacientes com leucemia e linfoma de células T. O modo de transmissão é igual ao do HIV. Em 36 pacientes politransfundidos estudados no Rio de Janeiro,3 apresentaram soropositividade ao vírus HTLV I ( 61) .Um nível semelhante foi observado em Porto Alegre para o vírus da Hepatite C :de 38 pacientes com hemoglobinopatias hipertransfundidos,7 apresentaram-se soropositivos (25)

Num estudo sorológico de 45 pacientes com AF (observações não publicadas), obtivemos:

  1. 15 dos 45 pacientes (33%) tiveram sorologias positivas para Hepatite C.
  2. 5 dos 45 pacientes (11%) tiveram sorologias(HBSAg) para Hepatites B.
  3. 4 dos 45 pacientes (8%) tiveram sorologia positiva para HTLV I.

Esse grau de contaminação é grande. É importante ter em mente o grande leque de companheiras/os ou filhos/as que esses pacientes possam contaminar caso não estejam adequadamente informados e principalmente, receber informações sobre o quadro evolutivo dessas patologias além de se ministrar o tratamento para as mesmas.

ANEMIA FALCIFORME E COMPLICAÇÕES OCULARES

O evento inicial na patogenia da retinopatia da DF é a oclusão vascular que ocorre mais freqüentemente na retina periférica. A angiografia com fluoresceína evidencia a oclusão vascular nas arteríolas retinianas. As oclusões podem também ocorrer nos capilares e vênulas além das arteríolas, embora a oclusão das últimas seja mais comum.

A DF pode causar complicações oftalmológicas que acarretam em comprometimento da visão. O exame oftalmológico de um paciente com DF deve incluir uma completa avaliação da retina posterior e periférica com dilatação da pupila para que as complicações oculares sejam evidenciadas.

Retinopatia: A retina é muito sensível a hipoxia. Uma isquemia mesmo que temporária se perdurar por um tempo maior que dois minutos pode acarretar em infarto permanente da retina. Se o processo acometeu a mácula geralmente há perda da visão.

Embora as oclusões vasculares de retina sejam geralmente observadas na infância, a neovascularização retiniana geralmente ocorre na 2ª e 3ª décadas da vida. A neovascularização retiniana é mais comum na hemoglobinopatia C, mas também é vista na Anemia Falciforme e S Talassemia. A evolução da neovascularização é afetada pela idade do paciente como dito acima e pelo tipo de hemoglobinopatia. Há um aumento da prevalência nos pacientes com hemoglobinopatia SC e com o avançar da idade. É desconhecido o motivo pelo qual a neovascularização progride rapidamente em alguns pacientes e em outros está ausente. Uma vez detectada a sua presença, os fatores de risco para a hemorragia estão na dependência da quantidade de neovascularização e da presença de Hb SC. Uma retinopatia não tratada pode ter como conseqüência uma cegueira devida a uma hemorragia vítrea ou descolamento de retina. A fotocoagulação com laser geralmente é eficaz para a erradicação da retinopatia proliferativa.

A retinopatia proliferativa pode levar à hemorragia vítrea e descolamento de retina. A fotocoagulação por laser pode beneficiar muitos pacientes com retinopatia proliferativa. Se uma percentagem de pacientes que desenvolvem trações retinianas fibróticas forem encaminhado à oftalmologia e receberem tratamento apropriado podem não ficar cegos.

Uma vez diagnosticado um deslocamento ou uma hemorragia vítrea, a intervenção cirúrgica geralmente é útil para a recuperação da visão.

Recomenda-se que os pacientes com retinopatia de DF tenham um check up oftalmológico, incluindo oftalmoscopia indireta, de 6/6 meses. Estes exames devem ser iniciados na infância. Os pacientes com retinopatia moderada e grave devem ser submetidos à angiografia pós fluoresceina e ser seguidos pelo especialista. O mesmo deve ser feito para os casos de alteração súbita na acuidade visual ou quando houver traumatismo ocular. Um traumatismo geralmente está associado com aumento da pressão intra-ocular e os pacientes com Doença Falciforme mesmo com uma leve elevação desta pressão podem ter como resultado final a perda permanente da visão.

Hemorragia Vítrea e Descolamento de Retina: A retinopatia proliferativa causa hemorragia vítrea. A degeneração e fibrose secundárias à hemorragia vítrea podem levar ao descolamento por tração da retina. Essas são as causas mais comuns de cegueira na AF. No caso de diagnosticar- se uma hemorragia vítrea que não involua no prazo de 3 a 6 meses ou se houver um descolamento retiniano o tratamento é cirúrgico. A eritracitaferese é recomendada para todos os pacientes com DF que serão submetidos à uma cirurgia oftalmológica para se evitar possíveis complicações no pós operatório como hifema e necrose isquêmica da câmara anterior do olho.

Hifema: Os pacientes com DF incluindo aqueles com estigma falcêmico que tem hifemas (sangue na câmara anterior) devido a traumatismos ou cirurgias, estão sob risco de desenvolver aumento da pressão intra-ocular mesmo se houver uma pequena quantidade de sangue. As condições bioquímicas e metabólicas locais favorecem o afoiçamento e como resultado, as hemácias afoiçadas podem obstruir o fluxo e causar aumento da pressão intra-ocular. O aumento moderado da pressão intra-ocular nos pacientes com hemoglobinopatias S pode levar à lesão permanente na função visual. Estes pacientes devem ser referendados imediatamente a um oftalmologista para intervenção.

GRAVIDEZ E ANEMIA FALCIFORME

A gravidez para uma paciente com AF leva a um aumento da morbidade e mortalidade materna, assim como para o feto, porém os riscos não são grandes o suficiente para se proibir as gestações desejadas.

A pré- eclampsia ocorre cinco vezes mais freqüentemente nas mulheres com AF do que no controle normal. O mecanismo ainda não é bem entendido e fatores etiológicos múltiplos como: excesso de massa placentária, isquemia placentária, aumento das prostaglandinas e lesão endotelial tem sido responsabilizados.

Os eventos relacionados com AF que podem ocorrer durante a gravidez são: crises dolorosas, crises convulsivas, trombose, hemorragia, hipoxia, uso excessivo de meperidina e/ou complicações da toxemia, hepatopatia. A pré-eclampsia ocorre cinco vezes mais freqüentemente nas mulheres com AF do que no controle normal. O mecanismo ainda não é bem entendido e múltiplos fatores etiológicos como: excesso de massa placentária, isquemia placentária, aumento das prostaglandinas e lesão endotelial tem sido responsabilizados.

Foi feita uma pesquisa em pacientes com AF no Rio de Janeiro (Gallo da Rocha, em publicação) em que trinta e três mulheres com AF que já tinham engravidado foram questionadas durante o ano de 1994 e foi registrado a evolução durante esse período.

Todas apresentavam um padrão eletroforético SS e Volume Globular Médio normal.

Das 33 pacientes, 26 (79%) tiveram pelo menos um parto normal; dessas uma teve três partos normais ; quatro dois partos normais e uma teve quatro partos normais.

Das 33 pacientes, 9 (28%) tiveram perdas fetais: natimorto, abortamento expontâneo ou morte logo após o nascimento, sendo que uma teve quatro perdas fetais e outra, duas.

Das 33 pacientes, 9(28%) tiveram eclampsia, sendo que duas tiveram em duas gestações. Uma paciente faleceu no período de gravidez meses após a entrevista, por eclampsia.

A mortalidade das mulheres grávidas com AF vem caindo com o passar dos anos. Em 1956, descreveu-se 22% de mortalidade materna (20). Porém Pritchard em 1973 mostrou uma queda progressiva da mortalidade materna de 33% para 11% até 0% (61).

Powars em 1986 relatou queda de 5,6% a 1,8% comparando os períodos antes de 1976 (60). No nosso trabalho, 1 de 33 pacientes (3%) grávidas foi ao óbito em decorrência de eclampsia. A toxemia da gravidez é freqüente em pacientes com AF.

As perdas fetais por abortamento, natimortos ou morte neonatal é maior nas mulheres com AF. O espasmo vascular no útero e hipoxemia do leito placentário leva a proteinúria e diminuição do fluxo sangüíneo no órgão, resultando em um retardo do crescimento fetal. Gravidez múltipla é outra causa de retardo do crescimento intra- uterino devido a limitação da membrana placentária disponível para a troca de nutrientes levando a má nutrição fetal e alteração do crescimento intra útero. Além disso o uso freqüente de narcóticos para dor pode ter efeitos vasiconstrictivos no leito vascular placentário, contribuindo também para a má nutrição materna (48).

Os métodos para se distinguir se o feto está em alto risco são: ultra som para se detectar retardo do crescimento intra uterino (faz-se escore para movimentos fetais e volume de líquido amniótico). Os estudos de Doppler do fluxo sangüíneo e monitoração continuada durante a gravidez diminui a incidência.

As alterações à histologia placentária compreendem: diminuição de tamanho e múltiplos infartos.

Milner, em 1980(48) relatou mortalidade de 8,1% de mortalidade fetal, já Koshy descreveu que a mortalidade e morbidade nos Estados Unidos era em torno de 1,8% (40). Na nossa casuística 13 das 33 pacientes tiveram óbitos fetais (39%), sendo que uma teve em duas gestações e outra em quatro.

Na Jamaica, Serjeant descreveu 17,5% de mortalidade fetal , maior que nos Estados Unidos, porém menor que a nossa(70). Nesse trabalho conclui-se que:

  1. na casuística brasileira a mortalidade materna é comparável aos países desenvolvidos.
  2. a mortalidade fetal (abortamento, natimortos) se mostrou maior na nossa casuística quando comparada com os dados da Literatura.

As pacientes com AF grávidas devem ser seguidas de 15 em 15 dias pelos médicos hematologista e obstetra.

CONTRACEPÇÃO

O fato de uma mulher apresentar AF não constitui em indicação para esterilização. Os métodos para contracepção são: barreira, contraceptivo oral à base de progestagênio (minipílula),injetável à base de medroxiprogesterona, dispositivo intra-uterino e condom. Geralmente o uso de contraceptivos orais são ditos como contra- indicados na AF porque há relato de maiores riscos de trombose cerebral e pulmonar nas mulheres da população geral que fazem uso destes medicamentos. Porém não existem trabalhos específicos que apresentem essas pacientes como tendo maior risco de trombose com uso de anticoncepcionais. Para muitas mulheres com doença SS, a contracepção oral é o método mais conveniente e confiável e condená-las ao uso de métodos menos eficazes leva a exposição das mesmas a um risco maior de uma gravidez não desejada. Os riscos destas gestações são pequenos, porém reais e totalmente diferente dos riscos teóricos do uso dos contraceptivos orais” (70).

Os métodos de barreira como diafragma e gel são eficazes mas apresentam menor segurança como contraceptivos. Os dispositivos intra-uterinos são muito eficazes mas apresentam um risco de sangramento e infecção. Os condons são menos acessíveis porém são também eficazes contra a disseminação de AIDS. Em caso de rompimento do condom, pode-se empregar contracepção de emergência: anticoncepcional oral de alta dosagem: 2 comprimidos/dia durante três dias.

CONDUTA NA GRAVIDEZ

A mulher jovem deve ser avisada a procurar cuidados médicos logo no início da gestação. O cuidado pré-natal deve ser feito com o obstetra e o hematologista. O acompanhamento pré natal deve ser feito em clínicas de gravidez de alto risco, com visitas periódicas a cada 2 semanas até a 36º semana e semanalmente após isto.

Todas as gestantes devem receber ácido fólico 10mg/dia via oral, em adição as vitaminas e minerais utilizados em pré-natal. O estoque de ferro corporal deve ser verificado e todos os exames pré-natais realizados. As gestantes devem seguir dieta, não fumar, não beber e só receber medicamentos prescritos.

O sangue da paciente deve coletado para se verificar a presença de aloanticorpos, qualquer que seja sua história transfusional. A orientação da mãe aloimunizada deve seguir práticas obstétricas meticulosas, administrando-se imunoglobulina Rh, se for o caso, e procedendo-se à amniocentese para a evolução do desenvolvimento fetal e concentração de bilirrubina.

O pai deve ter seu tipo de hemoglobina estudado ( de preferência antes que a mulher esteja grávida). Se ele tiver traço falciforme ou outra hemoglobinopatia, deve-se fazer o aconselhamento genético.

O crescimento fetal deve ser monitorado por ultrassonografia, como em qualquer gestação. Se houver retardo no crescimento, o repouso no leito é recomendado. Os testes de estudo placentário devem ser realizados (tri teste – gonadotrofina coriônica, alfa feto proteína e estradiol).

Embora alguns médicos instituam a transfusão profilática em pacientes grávidas assintomáticas com anemia falciforme, este procedimento hoje em dia é discutível e mesmo condenável em alguns centros. Se durante a gestação houver aumento das crises álgidas aí sim, deve-se manter o nível de hemoglobina S em torno de 50% através de eritracitaferese.

COMPLICAÇÕES DA GRAVIDEZ

Toxemia da gravidez, tromboflebite, pielonefrite e abortos espontâneos são mais comuns em pacientes com Doença Falciforme do que na população em geral.

PARTO

Se o parto não for complicado, a anestesia local ou regional (bloqueio dos pudendos) deve ser ministrada e o parto normal deve ser conduzido. O parto cesáreo deve ser indicado como em qualquer gestação. A perda sangüínea de ser reposta e a paciente deve ser hidratada durante todo o período.

CUIDADOS NO PÓS PARTO

Os cuidados no pós parto devem ser seguidos meticulosamente e a hidratação deve ser mantida. Deve-se proceder à prevenção contra a atelectasia e os episódios febris devem ser investigados e tratados prontamente. Deve-se investigar o recém- nato para hemoglobinopatias.

As mulheres Rh negativas devem receber gama globulina imune Rh após abortamento ou parto.

FÍGADO E VIAS BILIARES

Vesícula Biliar: A bilirrubina sérica está aumentada nos pacientes com Anemia Falciforme devido a hemólise sangüínea. O aumento da bilirrubinemia indireta é tipicamente mais acentuado na AF e Sb Talassemia e menos na hemoglobinopatia SC e pode estar ausente ou levemente presente na Sb + Talassemia. Quando o fígado está funcionando normalmente, a bilirrubina sérica total não deve exceder 4mg/dl e a fração conjugada, 10% do total. Com o passar do tempo a alta taxa de excreção de bilirrubinas tem como conseqüência a formação de cálculos biliares. São encontrados em aproximadamente 14% das crianças menores de 10 anos, cerca de 30% em adolescentes e 75 % em adultos com 30 anos. São também comuns na Sb o Talassemia e também ocorre em 4% dos pacientes com SC e 20% dos Sb + Talassemia. Geralmente os cálculos são múltiplos. São compostos principalmente de bile, mas em 60% dos pacientes são radiopacos e contém bilirrubinato de cálcio .A colelitíase, ocorre em cerca de 1/3 dos pacientes com AF. Na casuística brasileira ocorreu em 58% dos pacientes com AF e 36% desses foram submetidos a colecistectomia (26).

Numa pesquisa clínica feita por nós em 1994,registramos que 36,6% dos pacientes com DF apresentaram cálculos biliares entre 8 e 18 anos de idade(observações não publicadas).

A obstrução extrahepática geralmente está associada à hepatomegalia dolorosa, aumento súbito e acentuado da icterícia e evidências bioquímicas de obstrução hepática.

A presença dos cálculos biliares pode ser totalmente assintomática por muitos anos. Pode também causar sintomas crônicos de plenitude pós prandial, náuseas, vômitos e dor no quadrante superior do abdome. As complicações da colelitíase são colecistite aguda, obstrução de vias biliares e raramente pancreatite aguda. Pode haver queixas de cólica biliar.

A colecistectomia é o procedimento cirúrgico mais comum feito nos pacientes com AF. Foram investigados os efeitos da transfusão e do método cirúrgico para avaliação de prognóstico pós operatório em 364 pacientes (35). As complicações ocorreram em 39% dos casos; crises falcêmicas em 19%; problemas per-operatórios ou na sala de recuperação-32% dos casos. As colecistectomias abertas foram realizadas em 58% dos casos e laparoscópicas em 42%. Os pacientes que foram submetidos à cirurgia laparoscópica eram mais jovens e mais saudáveis. As complicações foram semelhantes nos dois grupos .Concluem que os pacientes com AF que são submetidos a colecistectomia, independente da técnica aberta ou laparoscópica tem uma morbidade alta no per operatório e a incidência de complicações pode ser ainda maior em pacientes não transfundidos pré operatoriamente. Recomendam também que o tratamento conservador deve ser o indicado sempre que houver condições clínicas para tal (35 ).

A colecistite aguda, sempre que possível, deve ser tratada de maneira conservadora com antibióticos, hidratação, balanço hidroeletrolítico e medidas gerais de suporte. A colecistectomia deverá ser feita logo que o paciente saia da fase aguda (geralmente em torno de 6 semanas) para evitar-se a formação de aderências em torno de vesícula inflamada. A cirurgia de urgência deve ser evitada a não ser que haja evidência de obstrução biliar.

Preparo para Colecistectomia :a questão da indicação da transfusão pré-operatória já foi objeto de discussão no capítulo de transfusão. Como em qualquer situação, para se submeter um paciente com AF à anestesia geral é necessária a manutenção de uma boa hidratação, verificação da temperatura e oxigenoterapia. Recomenda-se uma colangiografia pré-operatória para afastar-se possíveis cálculos intrahepáticos ou em ductos comuns.

Pós-operatório: as complicações pós-operatórias como descrito acima costumam ser mais comuns na Doença Falciforme do que na população geral e são: atelectasia pulmonar, pneumonite e infarto pulmonar. A freqüência destas complicações pode ser reduzida com a fisioterapia respiratória usando espirômetro e a deambulação precoce.

Um quadro clínico de obstrução extrahepática na ausência de cálculos biliares tem sido atribuído à “bile espessa”. Em 1965 foram descritas pela primeira vez as crises de hiperbilirrubinemia em pacientes com AF. Acredita-se que essas crises sejam desencadeadas pela necrose isquêmica dos hepatócitos e obstrução dos canalículos biliares intra- hepáticos pelas células afoiçadas levando a estase biliar e edema das células de Kupfer. Nessas crises , a bilirrubina total pode chegar a 50 mg/dl, com predomínio da bilirrubina direta. Geralmente há hepatomegalia e o quadro tende a se resolver em 2 semanas. Esses quadro foi notado em 5% dos pacientes brasileiros com AF(26).

Hepatite Aguda: Os pacientes que se apresentam com dor no quadrante superior do abdome, icterícia acentuada e febre necessitam investigação cuidadosa e tratamento. Os sintomas podem ser causados por colecistite aguda, hepatite viral, crise vásculo oclusiva hepática, obstrução dos ductos biliares comuns ou hepatotoxidade induzida por drogas. Podem ocorrer episódios de hiperbilirrubinemia na ausência de dor abdominal ou de outros sintomas. A evolução é favorável, auto-limitada, com resolução dos sinais e sintomas em 1 a 2 semanas.

Em outros casos, a disfunção hepática se apresenta associada à febre e leucocitose; os pacientes apresentam um quadro semelhante aquele visto na colestase induzida por drogas.

Nas crianças e adultos, o fígado pode ser o sítio de seqüestro das hemácias durante uma crise vásculo-oclusiva. O episódio é caracterizado por um aumento nas cifras de bilirrubinas, hepatomegalia dolorosa e queda do nível da hemoglobina e hematócrito. Em alguns casos, a doença hepática progride rapidamente para uma insuficiência hepática refletida por um aumento nos níveis enzimáticos , múltiplos defeitos de coagulação e evolução para hemorragia e óbito.

Os níveis elevados de fosfatase alcalina sérica ou desidrogenase láctica, não necessariamente indicam doença hepática porque podem ser causados por enfarto ósseo ou lise das hemácias.

Um aumento intermitente das enzimas hepáticas pode ser observado na ausência de sintomas em pacientes com queda do estado geral. Deve-se levar em consideração o diagnóstico de hepatite viral. Estes pacientes podem tornar-se profundamente ictéricos e apresentarem alterações acentuadas na aminotransferase sérica e nos testes de coagulação. Se houver sangramentos, estes devem ser conduzidos terapeuticamente com plasma fresco congelado, concentrados de fator de coagulação e/ou transfusão de plaquetas.

Uma das complicações mais comuns entre as populações de pacientes com AF são as hepatites pós transfusionais. Num estudo de 228 pacientes com AF matriculados num Hospital do Estado do Rio de Janeiro, de 1969 a 1994 notamos uma incidência de:

  • 12,7 % de Hepatite B
  • 18,4% de Hepatite C.
  • 7% dos pacientes apresentavam Hepatite B e C concomitantemente.(observações não publicadas).

Doença Hepática Crônica: Os pacientes transfundidos estão sob risco de hepatite viral e alguns poderão desenvolver hepatite crônica ativa e cirrose. Os pacientes cronicamente transfundidos podem apresentar hepatomegalia e fibrose hepática como conseqüência de hemossiderose.

Os estudos de biópsia hepática sugerem que a hemólise contínua e o edema celular de Kupffer, podem levar a hipoxia intra-hepática, porém essas não são causas importantes de disfunção hepática crônica, como se pensava anteriormente. Esta congestão crônica acredita-se ser a base anatômica da hepatomegalia comumente observada em pacientes estáveis com DF. Em alguns casos a congestão sinusoidal pode ser acentuada com pela infiltração das hemácias afoiçadas simulando oclusão de veia hepática . O quadro clínico é de síndrome de Budd- Chiari.

Em pacientes mais velhos, a insuficiência cardíaca congestiva, especialmente se associada com hipertensão pulmonar pode ser um fator adicional importante na gênese da cirrose.

A avaliação cuidadosa dos pacientes com complicações hepáticas, incluindo a realização de biópsia hepática demonstram que uma parcela importante desta população pode ter a hepatopatia explicada pela própria DF.

OSSOS E ARTICULAÇÕES

A hiperplasia da medular leva uma osteopenia podendo predispor o paciente com AF a apresentar fraturas. Os pacientes com anemia hemolítica constitucional apresentam medula vermelha funcionante em todos os ossos do corpo, diferente das pessoas sem essas patologias e que apresentam medula vermelha em todos os ossos somente na fase infantil e posteriormente, na idade adulta somente os ossos chatos e cilíndricos como as vértebras e epífise dos ossos longos. A trabécula no espaço diploico pode ficar paralela a tábua interna dando lugar ao quadro radiológico do crânio chamado de “cabelo em escovinha”. Em 100 radiografias de pacientes com AF somente 1 caso (1%) apresentou esse padrão (Gallo da Rocha; HHA; Lúcio S, 1994 observações não publicadas). Outros trabalhos da literatura médica apresentam essa alteração como rara, ocorrendo em menos de 5% dos pacientes (22).

Os ossos freqüentemente estão comprometidos na DF. As lesões podem ser o resultado de hiperplasia de medula óssea como na gnatopatia ou infarto ósseo Exemplos de infarto são a síndrome mão-pé em crianças, infartos ósseos múltiplos em crianças mais velhas e adultos e necrose avascular da cabeça do fêmur e de outros ossos.

Numa pesquisa por questionamento que fizemos a mães de 16 pacientes com AF, registramos que 87,5% apresentaram dactilites. A idade de aparecimento variou de 4 meses 10 anos; 71,4% apresentaram a dactilite até 3 anos de idade; 35,7% dos pacientes apresentaram dactilites nas mãos e pés. (observações não publicadas) Clinicamente a criança se apresenta com edema doloroso das mãos ou pés geralmente com febre. O tempo médio do término do episódio é em torno de uma semana. Alguns pacientes podem evoluir para osteomielite. Os estudos da dactilite mostraram que há necrose medular e do terço interno da córtex . Há um trabalho relatando que a osteomielite é a responsável pelo encurtamento dos metacarpos na AF. (70). Em um estudo radiológico da mão que fizemos em 119 pacientes com DF, com idade variando de 3 a 64 anos; média: 22,3 anos, DP: 12; 7/119 (5,8%) dos pacientes apresentaram encurtamento dos metacarpos ( Gallo da Rocha; Lúcio S; observações não publicadas).Concluímos que 5,8% dos pacientes com DF apresentam infartos ósseos importantes nos ossos das mãos precedidos ou não de osteomielite.

A necrose avascular é geralmente a única lesão que requer tratamento especial, embora a correção cirúrgica da gnatopatia tenha sido tentada.

A hiperuricemia é comum devido ao aumento do metabolismo das purinas secundário a hiperplasia eritróide, mas a gota é rara e em caso de suspeita clínica há necessidade da comprovação através a demonstração de cristais de urato no líquido articular.

Necrose Avascular: A necrose da cabeça do fêmur (NCF) é essencialmente uma degeneração e substituição do núcleo ósseo da epífise devido a infarto ósseo. Esse infarto leva ao colapso pela pressão local e causa distorção do tecido adjacente que sustenta a articulação. Em alguns casos pode ser secundária a uma infecção óssea, por isso o termo asséptico não é o melhor a ser empregado.

Os sintomas podem ser insidiosos ou súbitos, freqüentemente associados a traumatismos. A dor é intensa e limitante.

A necrose isquêmica da cabeça do fêmur evolui de 2 a 6 anos. Ficat e Arlet(23) classificaram a necrose avascular da cabeça do fêmur em 4 estágios:

estágio I- osteoporose leve;

estágio II- osteoporose ou osteosclerose;

estágio III achatamento inicial e colapso;

estágio IV- colabamento total da cabeça do fêmur.

A vascularização da cabeça do fêmur é complexa e com a idade vai havendo uma diminuição do suporte sangüíneo para aquela região do corpo (23).

A NCF pode ocorrer em crianças de até 6 anos, porém desenvolve-se mais no final da adolescência e na idade adulta. A média de idade dos pacientes acometidos de NCF na Nigéria é de 13,7 anos (18), na Jamaica é de 20 anos (43).

Num estudo envolvendo 255 pacientes com DF no Rio de Janeiro, encontramos uma média de idade de 25,6 anos nos pacientes com AF e NCF. Aos 15 anos 26% dos pacientes já tinham NCF. A faixa de maior prevalência dos pacientes com AF e NCF foi de 12 aos 37 anos (89% dos casos se enquadravam dentro dessa faixa etária).A NCF é mais comum nos pacientes com hemoglobinopatia SC. No trabalho realizado registramos que 8,2% dos pacientes com hemoglobinopatia SS (AF) desenvolveram NCF. Num trabalho anterior feito também no Rio de Janeiro (26) já havia um registro de prevalência de 10% de NCF em pacientes com AF (Gallo da Rocha, trabalho em publicação).

Os pacientes com hemoglobinopatia SC apresentaram uma incidência de 27,7% de NCF.

O nível elevado de hemoglobina sem aumento da HbF foi descrito como fator de risco para o desenvolvimento de NCF. Nos dois grupos de pacientes que analisamos , Hemoglobinopatias SS e SC não houve diferença estatisticamente significativa entre os níveis de hemoglobina dos pacientes afetados daqueles não afetados. Nesse estudo comparamos o nível de hemoglobina dos pacientes SS com NCF e dos SS sem NCF e dos SC com NCF e SC sem NCF. Não houve comparação entre os níveis de hemoglobina dos SC e SS pois já é sabido que os níveis de hemoglobina dos pacientes SC são mais elevados do que os dos SS.

Foi feito também um estudo comparativo da contagem de plaquetas dos dois grupos e não houve diferença significativa que indicasse uma maior tendência a NCF nos pacientes com maior contagem de plaquetas.

Notamos uma tendência das mulheres com história de gestação anterior apresentarem NCF. Das 126 mulheres com DF envolvidas nesse estudo, 101 nunca ficaram grávidas; dessas, 8 (7,9%) desenvolveram NCF. Das 25 mulheres que ficaram gestante, totalizando 19,8% das mulheres, 5 (20%) desenvolveram NCF.

A cirurgia com prótese pode ser feita na fase inicial da necrose avascular afim de se tentar parar o processo necrótico. Atualmente o tratamento consiste em repouso articular, calor local e analgésicos. A intervenção cirúrgica de descompressão da cabeça femoral está sendo feita logo no início da patologia nos Estados Unidos.

Se um indivíduo após a adolescência apresentar incapacidade séria causada pela necrose avascular impedindo-o de exercer suas atividades diárias além de dor contínua, deve-se considerar a cirurgia de substituição de toda articulação ou a injeção local de cimento ósseo. Para o preparo desse tipo de cirurgia recomenda-se que se faça eritracitaferese no pré operatório. Uma vez que a prótese propriamente inserida possa ficar funcional por mais de 15 anos, este tipo de cirurgia deve ser considerada seriamente quando o paciente está com cerca de 20 anos. Este deve ser conscientizado que a cirurgia nem sempre alcança sucesso e que poderá apresentar complicações como a perda da prótese, o encurtamento da perna e infecção.

Outros Ossos e Síndromes Articulares: O diagnóstico diferencial de derrames articulares em pacientes com doença falciforme é difícil devido uma variedade de possíveis etiologias. Os derrames podem ocorrer secundários à infarto ósseo, edema inflamatório, gota, infarto sinovial, artrite séptica ou concomitância de doença reumática ou doença do colágeno com osteoartrite.

Devido ao tratamento diferir em cada uma dessas patologias é importante notar se o paciente vem apresentando febre ou se há sinais clínicos que justifique uma aspiração da articulação para cultura, estudo de proteínas e análise microscópica. Na ausência de sinais claros de diagnóstico (como leucócitos, hemácias, bactérias ou cristais de ácido úrico),procede-se às medidas de suporte como analgésicos, calor local, hidratação e repouso por 5 a 7 dias. A indometacina, 25mg 3 vezes ao dia geralmente é eficaz por 4 a 6 dias e deve ser ministrada em adolescente ou adultos. Outros agentes anti-inflamatórios podem também ser utilizados, sempre com cautela para evitar irritação gástrica. Se os sinais de derrame articular persistirem deve-se proceder a uma repetição da punção articular para re-estudo laboratorial e novo encaminhamento do paciente para exame radiológico. Em pacientes com derrames de repetição a artrocentese deve ser evitada devido ao risco de contaminação bacteriana no espaço articular.

CIRURGIA E ANESTESIA

Os maiores riscos nestes caso são as complicações pós-operatórias. Para evitá- las os pacientes devem ser cuidadosamente preparados, devendo-se proceder a um check up completo. Se alguma lesão orgânica é detectada, esta deve ser tratada individualmente. No check up deve-se incluir :

  • estudos da saturação de O2, medida pela gasometria arterial ou oximetria de pulso;
  • ecocardiograma ;
  • testes de função: renal e hepática;
  • imagens de Ressonância Magnética cerebral nos pacientes com história de disfunção neurológica;

Tipo de Cirurgia: Os procedimentos cirúrgicos que podem levar a isquemia ou hipoxia merecem uma atenção especial. Estas são: cirurgias cardiotorácicas; cirurgias potencialmente acompanhadas de hipotensão e hipoventilação; cirurgias vasculares. Deve-se manter a hemoglobina S em 30% com transfusões no pré per e pós operatório.

Transfusões: Se o paciente for testemunha de Jeová e recusar-se a receber transfusão pode haver maior risco de complicações per e pós-operatórias, especialmente em casos de grandes cirurgias. Nestes casos deve-se fazer uma plano de tratamento.

Os pacientes com DF estão em maior risco de aloimunização e de reações transfusionais. O status de aloimunização deve ser conhecido antes da cirurgia. Os pacientes com múltiplos anticorpos podem ter as complicações minimizadas se receberem transfusões fenotipicamente compatíveis.

Regime Transfusional: Muitos centros acreditam que a transfusão pré-operatória deveria ser ministrada nos pacientes com AF submetidos a grandes cirurgias. Os dois maiores benefícios das transfusões são : aumento na capacidade carreadora de oxigênio do sangue e melhora da circulação microvascular pela diminuição dos eritrócitos com hemoglobina S. Um consenso recente retirado da Conferência do National Health Institute concluiu que nenhuma medida poderia substituir o bom julgamento clínico quanto à necessidade de aumentar-se o nível de hemoglobina pré-operatória nestes pacientes. Não há, até o momento, estudos prospectivos que indiquem qual o nível seguro de HbS.

Uma vez decidido transfundir-se um paciente, o método de transfusão deve ser selecionado. Em adultos, uma única exsangüíneo transfusão para reduzir-se o nível de Hb S pré-operatoriamente pode ser conseguida, fazendo-se eritracitaferese. Em crianças, transfusões repetidas simples com 2 semanas de intervalo (iniciando-se 4 a 6 semanas antes da cirurgia) são também empregadas. Devido ao risco do aumento da viscosidade sangüínea, o nível de hemoglobina maior que 12 g/dl ou do hematócrito maior que 35% deve ser evitado a não ser que tenha sido feita uma eritracitaferese.

Cuidados Pré-operatórios: Todos os pacientes devem ser avaliados pelo anestesista no dia anterior à cirurgia. Os pacientes que forem submetidos à anestesia geral devem receber hidratação pelo menos 12 horas antes da cirurgia com atenção para o débito urinário e o peso.

Os pacientes devem ser observados para sinais de oclusão vascular, febre, infecção e desidratação. O exame físico e laboratorial deve ser revistos afim de identificação de alterações no coração, fígado, rins, cérebro e pulmões.

Cuidados Per-operatórios: Os pacientes devem ser monitorados através de eletrocardiografia, pressão arterial, pulso, temperatura, concentração de oxigênio inspirado e oximetria de pulso ou gasometria arterial. As dosagens de eletrólitos séricos, a verificação do débito urinário e a monitoração hemodinâmica invasiva podem ser necessárias, na dependência do status clínico do paciente e do tipo de cirurgia. O paciente deve ser mantido a uma temperatura morna na sala de cirurgia. Deve receber oxigenoterapia a 50% em combinação com o agente anestésico.

Cuidados no Pós Operatório: Pós operatoriamente o oxigênio deve ser mantido até desaparecerem os efeitos da anestesia. Os pacientes com ferida cirúrgica que interfiram com a respiração, necessitarão de maior tempo de oxigenoterapia. A monitorização deve ser continuada na sala pós cirúrgica. A hidratação parenteral no pós operatório deve ser mantida. É necessário um cuidado intensivo respiratório para minimizar as complicações pulmonares.

COMPLICAÇÕES RENAIS NA DOENÇA FALCIFORME

O defeito mais precoce e mais comum no paciente falcêmico é a hipostenúria que é expressa como uma dificuldade do rim em concentrar a urina. Pode ser evidenciada já aos três anos de idade. O defeito pode ser revertido na primeira década através de transfusões. Após os 15 anos de idade geralmente torna-se irreversível. A hipostenúria resulta em um débito urinário obrigatório maior que 2.000ml/dia, portanto, uma forma nefrogênica de diabetes insipidus. O aumento da necessidade hídrica torna o paciente mais sensível à desidratação, que é um fator precipitante de crises de oclusão vascular. Deve-se fornecer uma quantidade de líquidos de 3 a 5 l/dia em adultos e 150ml/Kg/24h em crianças, para contrabalançar a perda urinária obrigatória às necessidades hídricas normais diárias. Esta alteração da medula renal torna o rim dos pacientes não responsos aos diuréticos de alça como a furosemida e o manitol. A hipostenúria também leva, freqüentemente, à noctúria no adulto e a enurese persistente na criança.

Os pacientes com AF com mais de 15 anos perdem irreversivelmente a capacidade de concentração urinária.

O afoiçamento ocorre mais na medula renal devido às condições de pH baixo nessa região, além de tensão de oxigênio diminuída e hipertonicidade. Tudo isso resulta na formação de polímeros de hemoglobina nas hemácias , diminuição da viscosidade sangüínea, engurgitamento venoso e edema intersticial predispondo a um aumento da viscosidade sangüínea. A distribuição do fluxo sangüíneo no rim e a hipertonicidade da medula renal leva à estase na vasa-recta e à isquemia da medula renal papilar. As conseqüências da distorção do fluxo sangüíneo regional são : nefrite focal intersticial e fibrose, disfunção tubular e necrose papilar com atrofia.

Os dados clínicos e patológicos indicam que o afoiçamento intravascular ocorre mais rapidamente nos rins do que em qualquer outro órgão. Uma série de eventos patológicos acometendo o rim, começa cedo na vida e se continuam por toda a vida do paciente.

Disfunção Tubular Renal: Os pacientes com DF são incapazes de acidificar sua urina quando submetidos à diminuição da ingesta hídrica. Isso algumas vezes leva à acidose metabólica. A excreção do íon hidrogênio pelo rim deve ser avaliada para se determinar até que ponto esta tem importância no processo. Caso seja indubitável a sua importância no processo acidótico, a excreção de hidrogênio deve ser corrigida com bicarbonato de sódio. A dificuldade na excreção de potássio tem sido objeto de discussão, podendo em alguns casos resultar numa tendência a hiperkalemia, ainda que geralmente modesta e que responde à diuréticos kaliuréticos como a furosemida. A hiperkalemia pode aumentar com a idade. Quando importante ( potássio sérico maior ou igual a 5,5 mmol/l ), deve-se investigar outras causas.

Hiperuricemia: Cerca de 15% das crianças e 40% dos adultos com anemia falciforme tem níveis séricos elevados de ácido úrico. Isto ocorre pelo aumento da produção de uratos associado com o estimulo à eritropoiese e a diminuição do clearance renal de urato. A hiperuricemia na DF responde mal aos agentes uricosúricos. A nefropatia úrica é rara. Em caso de formação de cálculos de ácido úrico, recomenda-se a alcalinização da urina com bicarbonato de cálcio oral (3 g/dia). A gota é rara na DF e se for demonstrada pela presença de cristais de ácido úrico na articulação, deve ser tratada com agentes anti-inflamatórios e alopurinol.

Hematúria macroscópia: A hematúria assintomática ocorre no Traço Falcêmico e na AF. O sangramento geralmente não é doloroso embora a formação de coágulo na pelvis-renal ou ureter possa levar à cólica renal. O sangramento geralmente é unilateral e em 80% dos casos o rim esquerdo é o responsável. Pode ser intermitente e em pequena quantidade ou persistente e intenso. A causa da hematúria é incerta porém acredita-se ser devida a afoiçamento de hemácias no parênquima renal, no sistema coletor ou secundária a necrose renal micro ou macropapilar. Como em qualquer paciente com hematúria macroscópica o diagnóstico diferencial deve ser feito com necrose papilar, glomerulonefrite, tuberculose, tumor, cálculos ou infecção outra que não a tuberculose no tracto urinário. A avaliação deve ser feita através a pielografia venosa, cistoscopia e estudos da coagulação. O paciente deve ser mantido hidratado afim de que mantenha um fluxo urinário maior que 2 a 3ml/Kg/hora diminuindo assim a tendência a formação de coágulos na pelvis renal e ureter. Em caso de hematúria refratária , os pacientes poderão ser tratados com ácido épsilon aminocapróico (EACA) na dose de 2 a 8g/dia. O principal perigo neste tipo de terapia é a formação coágulos na pelvis renal e ureter. Assim sendo, quando o EACA for utilizado, o paciente deve ser hospitalizado e mantido em repouso no leito com um fluxo urinário superior a 3 ml/Kg/hora. A reposição de sulfato ferroso deve ser avaliada com base em estudos clínicos e da ferritina sérica. A transfusão de concentrado de hemácias pode ser necessária devido à queda do nível médio do hematócrito assim como profilático na prevenção de infarto nos vasos medulares. Quando a hematúria for crônica e intensa, os pacientes devem fazer repouso com aumento da ingesta hídrica e a eritracitaferese deve ser considerada com ou sem a terapia com EACA. Estas medidas devem ser tomadas afim de se evitar a nefrectomia já que o rim permanece em risco para as complicações relacionadas à AF. A nefrectomia é indicada somente naqueles casos em que a hemorragia põe em risco a vida do paciente.

A hematúria ocorreu em 8 de 251 pacientes com DF (3,18%), sendo que em 3 pacientes estava associada com insuficiência renal (observações não publicadas).

Acidose Tubular renal: No traço falcêmico, a acidificação renal é normal. O túbulo distal do paciente com AF necessita de um maior estímulo ácido para alcançar um gradiente urina/sangue de íon de hidrogênio. Geralmente esse defeito leva a acidose metabólica. Não há perda proximal de bicarbonato.

Proteinúria: A proteinúria esteve presente em 9 de 110 pacientes com DF estudados (observação não publicada) ou seja, 8,18%. Num trabalho de Hendersen,(70) ele notou proteinúria em 31% dos pacientes (17/54 ); na investigação de Serjeant ele notou 23% de proteinúria acima de +; todas as duas prevalências bem maiores do que a nossa(70).

Insuficiência renal: A aguda geralmente está relacionada com desidratação e hipovolemia. A correção da causa restaura a função renal e o prognóstico é bom. Freqüentemente há uma infecção ou rabdomiólise junto com a insuficiência renal aguda. A trombose de veia renal pode ocorrer porém é rara.

A insuficiência renal crônica é uma causa importante de agravamento da AF e morte, principalmente nos pacientes com mais de 40 anos. A insuficiência renal costuma ter início insidioso ou abrupto e clinicamente se manifesta com piora da anemia. Nesse estágio há alteração no clearance da creatinina. A urografia excretora mostra mal funcionamento, rins diminuídos de tamanho e a biópsia mostra fase final sem que se demonstre se é primariamente glomerular ou tubular ( 70 ).

Concluímos:

8 de 251 pacientes (3,18%) apresentavam insuficiência renal: 6 homens e 2 mulheres ( 1 desenvolveu hipertensão pós eclampsia);

4/8 pacientes (50%) apresentavam hipertensão arterial;

2/8 (25%) apresentavam insuficiência cardíaca congestiva;

2/8 (25%) faziam hemodiálise crônica.

A hemoglobina média desse grupo foi de 6,25 mg/dl, DP: 0,88; enquanto que a média de hemoglobina dos pacientes com AF sem insuficiência renal foi de 7,4 mg/dl.

Alguns aspectos devem ser recordados como causa da insuficiência renal, além da própria doença propiciando a infartos renais na região medular, como indicado acima.

Depósito de ferro nos rins: os pacientes com múltiplas transfusões com ferritina > 800mg: De 228 pacientes com AF estudados, 20 eram politransfundidos e apresentavam a ferritina sérica acima de 800 mg. Dos 20 pacientes hipertransfundidos,4 (20% ) desenvolveram insuficiência renal. Do grupo de pacientes com insuficiência renal, todos eram SS; 2 não se sabia o nível de ferritina sérica;1 era normal e 5 (62,5%) apresentaram ferritina acima de 800 mg.(observações não publicadas).

Hipertensão Arterial: Dos 228 pacientes com AF estudados,11 apresentavam hipertensão arterial (4,8%). Dos 11 pacientes hipertensos,6 apresentavam insuficiência renal crônica (54,5%).Do grupo de pacientes que tinham insuficiência renal todos eram SS. (observações não publicadas).

Infecção do Trato Urinário

A bacteriúria assintomática ou infecção sintomática do tracto urinário ocorrem em mulheres grávidas negras com hemoglobina normal. As pesquisas clínicas sugerem que a pielonefrite crônica é mais comum em mulheres adultas com anemia falciforme. É impossível fazer-se o diagnóstico diferencial através o estudo radiológico. A nefrite intersticial pode ser secundária ao uso de analgésicos ou à isquemia. Uma vez que os pacientes com DF estão em maior risco de desenvolverem pielonefrite, os exames de urina devem ser feitos periodicamente. Se o paciente apresenta uma bacteriúria maior que 105/ml deve ter a urina esterelizada com antibioticoterapia apropriada, procedendo-se à culturas de urina seriadas.

Recomenda-se iniciar a antibioticoterapia com Sulfixosazol ou Ampicilina. Conforme o resultado da cultura e a sensibilidade bacteriana, a terapia pode, então, ser modificada. As hemoculturas devem ser realizadas em pacientes febris com pielonefrite. A bacteriúria mista é freqüente nas crianças. Quando ela ocorre deve-se repetir a cultura de urina antes que seja instituída a antibioticoterapia definitiva. Os pacientes com vários episódios de pielonefrite devem ser monitorados a longo prazo com exames de urina de repetição e estudos de função renal. Aqueles que tiveram um episódio inicial de pielonefrite ou que recidivaram, devem ser submetidos à urografia excretora para se excluir um defeito anatômico no tracto urinário.

Síndrome Nefrótica

A Síndrome Nefrótica associada à glomerulopatia membrano- proliferativa é vista com certa freqüência em pacientes com DF. Tem-se evidências de que a nefropatia autoimune deva ser devida a lesões de repetição do endotélio, levando ao desenvolvimento de anticorpos após a exposição a múltiplos antígenos via transfusão e infecção, ou à exposição a antígenos tubulares renais na circulação como resultado de afoiçamento na medula renal.

COMPLICAÇÕES CARDÍACAS

A Anemia Falciforme é uma anemia crônica que geralmente é bem tolerada pelo sistema cardiovascular por longo período. Entretanto como outras anemias moderadamente severas, a função cardíaca termina por ficar alterada.

Os médicos que cuidam de pacientes com anemia falciforme devem estar atentos ao acometimento cardiovascular nestes pacientes, já que estes apresentam uma variedade de sinais e sintomas, disfunções valvulares e isquemia miocárdica, causando dificuldades diagnósticas e terapêuticas.

Funções Cardíacas: A capacidade carreadora de O2 reduzida pela anemia aumenta o débito cardíaco. A sobrecarga crônica de volume inicia a resposta compensatória primeiramente com dilatação cardíaca. Embora ocorra tanto a dilatação quanto a hipertrofia, a performance sistólica do ventrículo esquerdo em estado de repouso, geralmente está preservada Os estudos com radionuclídeo e de ejeção por ecocardiografia podem demonstrar alterações de contractilidade cardíaca. Os pacientes com estas alterações, com redução da resistência vascular periférica, mantém uma boa performance sistólica do ventrículo esquerdo verificado pela fração de ejeção (42).Na ausência de doença cardiovascular coexistente, a insuficiência de ventrículo esquerdo é rara em pacientes com doença falciforme. Sintomas como palpitações e fadigabilidade, freqüentemente vistos nestes pacientes podem levar a um diagnóstico errôneo de insuficiência cardíaca. O tratamento com digital e diuréticos não está indicado.

O aumento do ventrículo direito é mais raro e geralmente ocorre em pacientes com hipertensão arterial pulmonar, como conseqüência de trombose de artéria pulmonar de repetição.

CRIANÇAS

As crianças com anemia falciforme e níveis de hemoglobina de 6 a 8 g/dl tem um aumento do débito cardíaco em repouso de 50% devido à necessidade de aporte de oxigênio aos tecidos. Este aumento ocorre primeiramente devido ao maior débito cardíaco, que leva à circulação hiperdinâmica, sopros cardíacos e cardiomegalia. Esta última é devida a uma adaptação à anemia e não deve ser considerada patológica. Algumas crianças desenvolvem insuficiência cardíaca na ausência de queda súbita dos níveis de hemoglobina.

A maior parte das crianças e adolescentes se adaptam à demanda cardíaca aumentada pelas anemias crônicas e geralmente tem uma capacidade reduzida de exercício de 50 a 75%.

Diferentemente dos adultos, as crianças são menos capazes de admitir a intolerância a exercícios já que não há evidências de que o exercício é danoso e pelo contrário, poderá haver benefícios com a prática dos mesmos. Portanto, as crianças com anemia falciforme deveriam ser encorajadas a participarem de atividades físicas com sua própria limitação. Se ocorrerem sintomas relacionados a exercícios físicos, eles devem ser avaliados pela eletrocardiografia de esforço. Quinze porcento dos adolescentes que fazem testes de esforço apresentam depressão do segmento ST que é interpretado como isquemia subendocárdica.

É importante lembrar que as crianças com anemia falciforme estão sujeitas às mesmas condições clínicas que outras crianças e o quadro pode sugerir doença reumática, congênita ou outra doença cardíaca subjacente que deve ser investigada. Nestes casos, a função cardíaca é melhor estudada pela ecocardiografia e pela avaliação do cardiologista.

ADULTOS

Performance de Exercícios:

A capacidade de exercícios está reduzida na maior parte dos pacientes falcêmicos. A maioria é capaz de atingir menos que 50% da capacidade prevista. A causa para esta diminuição da performance é provavelmente devido à múltiplos fatores. Um número significativo desses pacientes apresentam sintomas à esforços com depressão do segmento ST ao eletrocardiograma, que parecem relacionados à idade mais velha, baixo nível de hemoglobina e o produto da freqüência cardíaca e pressão arterial sistólica. Como descrito anteriormente, estas alterações lembram àquelas associadas à isquemia subendocárdica, mas sem estarem acompanhadas de precordialgia.

A obstrução coronariana aterosclerótica é uma causa improvável. Para os pacientes que pretendem fazer exercícios, poderão fazê-lo desde que não sejam competitivos. Este esforço não deve ser praticado à exaustão, assim como um trabalho físico. Os exercícios devem ser evitados se praticados em condições adversas como: tempo frio, altas altitudes e água fria.

VALVULAR

Os sopros sistólicos são comuns em pacientes com anemia falciforme. São melhores audíveis no 2o e 3o espaços intercostais e são conseqüências de aumento do débito cardíaco. Os sopros diastólicos são raros e devem ser considerados patológicos quando presentes. As doenças valvulares não parecem ocorrer mais em pacientes falcêmicos do que na população geral.

DIAGNÓSTICOS

Ecocardiografia- Doppler– é recomendado para estudar-se o sopro sistólico suspeito de ser patológico.

Eco- bidimensional- para verificar as dimensões das câmaras cardíacas e a função sistólica global dos ventrículos direito e esquerdo.

Teste de Esforço: A utilidade do teste de esforço em pacientes com precordialgia induzida pelo exercício não está em definida. Em pacientes com suspeita de doença arterial coronariana deveria ser feito o procedimento associado à teste de perfusão cardíaca com talium.

Cateterização Cardíaca– Este procedimento deve ser restrito aos pacientes com alto índice de suspeita de doença arterial coronariana e cujos testes de função cardíaca não podem ser avaliados por medidas não invasivas. A desidratação resultante do efeito diurético do meio de contraste hipertonico deve ser evitada.

INFARTO DO MIOCÁRDIO

É raro nos doentes com doença falciforme.

PRIAPISMO

O priapismo é uma ereção persistente e dolorosa do pênis. Existem quatro padrões clínicos:

  1. Ereção aguda- reversível, com edema, geralmente de início menor que três horas. Esse padrão não está associado com impotência, já que o episódio desaparece. Os episódios repetitivos são muito comuns, ocorrendo em mais de 40% dos pacientes. Os episódios de curta duração podem não ser dolorosos. Em alguns pacientes o problema é transitório enquanto em outros pode levar à impotência.
  2. Ereção aguda, dolorosa e prolongada que dura mais que três horas. Caracterizada por intensa dor na região peniana que pode vir acompanhada de disúria (9) ou intenso edema na região peniana. Pode perdurar por vários dias a semanas, podendo evoluir para impotência parcial ou completa de duração variável.
  3. Aumento crônico do tamanho do pênis, geralmente indolor que pode persistir por meses ou anos. Este padrão geralmente se desenvolve após um episódio prolongado e freqüentemente está associado com impotência parcial ou completa.
  4. Priapismo crônico agudizado– algumas vezes após alguns anos os pacientes com edema crônico persistente podem apresentar recidiva do priapismo doloroso agudo.

Fisiopatologia: Os mecanismos específicos que podem precipitar os episódios de priapismo agudo geralmente se iniciam durante o sono e algumas vezes após atividade sexual, porém freqüentemente não se consegue detectar nenhum agente precipitante. O episódio noturno muitas vezes está correlacionado com uma bexiga volumosa. Alguns casos podem ser precipitados ou exacerbados por desidratação.

A fisiopatologia do priapismo ainda não está bem esclarecida. O fluxo venoso do corpo cavernoso nem sempre está totalmente ocluído como antes havia sido postulado. Em alguns episódios o pO2 do corpo cavernoso está reduzido, não chegando a zero. Estes fatos estabelecem o uso racional de transfusão de hemácias normais, já que estas células vão até a área de pouca circulação. Presume-se que o fluxo lento, viscoso, desoxigenado que ocorre localmente leve a uma oclusão do fluxo. Segue- se a isso, edema e inflamação. A retirada desse material pode retardar a lesão irreversível do corpo cavernoso. A eletroforese de hemoglobina do sangue do pênis em pacientes transfundidos por vezes mostra que a hemoglobina A entra no corpo cavernoso. Estas observações estabelecem o uso racional da aspiração e irrigação e estabelecimento de um shunt temporário do corpo esponjoso. Em alguns casos o fluxo arterial e o sangüíneo total estão aumentados e não existem evidências de obstrução. O pO2 do pênis, nestes casos, está normal. Se a obstrução local aparece como causa improvável para o episódio de priapismo, discute- se a mediação ou influência do sistema nervoso central no processo de ereção.

O corpo cavernoso do pênis é um reservatório de sangue especializado, caracterizado pela passagem lenta do sangue em um local que funciona como uma rede de septos. Esta circulação pode ficar com estase local com isso ocorrendo o afoiçamento e obstrução da drenagem venosa. Essa obstrução que ocorre na AF leva a um edema intersticial e com o tempo, fibrose da trabécula (35).

O priapismo prolongado constitui uma urgência urológica necessitando de intervenção imediata para evitar lesão peniana isquêmica e permanente.

Foram feitos dois estudos em 1994 em pacientes brasileiros com AF, no Estado do Rio de Janeiro (Gallo da Rocha, trabalho em publicação):1) estudo retrospectivo em pacientes matriculados no Instituto de Hematologia, de 1960 a 1994, com diagnóstico de AF, num total de 278 pacientes. Nesse estudo foram feitos: estudo percentual dos pacientes com priapismo; observação do número de pacientes que evoluíram para impotência coeundi; dos pacientes que se submeteram à cirurgia; da idade e da eletroforese de hemoglobina e dos dados clínicos.

2) Questionamento de 73 pacientes do sexo masculino quanto ao tipo de priapismo apresentado, o horário, fator desencadeante e evolução clínica

No estudo em que questionamos os pacientes a causa mais freqüente de priapismo foi a espontânea, de madrugada. Somente um paciente relatou o episódio pós coito (4%), menor que na estatística da Jamaica de 16%, porém a maioria dos episódios naqueles pacientes ocorreu espontaneamente (70).

Emond (68) descreveu que o nível mais baixo de hemoglobina fetal e mais alto de contagem de plaquetas são fatores de risco para priapismo em pacientes com AF. Nossos pacientes com AF e priapismo apresentaram HbF média de 3,28% e a média da contagem de plaquetas foi de 370 772/mm3. Comparando com a população geral de pacientes com AF que apresenta a hemoglobina fetal média de 7,4% e a contagem de plaquetas de 359 000/mm3, podemos concluir com Emond com relação à HbF, mas não com relação à contagem de plaquetas. Também não houve diferença estatisticamente significativa quanto ao nível de hemoglobina e hematócrito (média da hemoglobina e do hematócrito na população geral de pacientes com AF: (7,4 g/dl e 22,3%)

A idade de início dos episódios do priapismo de cerca de metade dos pacientes foi antes dos 10 anos. Esse parâmetro é muito variável de estudo para estudo. Winter descreveu início do priapismo em pacientes com idade inferior a 18 anos (69). Souza et al (73) descreveram início do priapismo com idade inferior a 12 anos em 56% dos pacientes. Portanto não há divergência significativa quanto a idade de início dos sintomas do nosso grupo em relação aos descritos na literatura.

A prevalência dos episódios do priapismo no estudo retrospectivo foi de 7,5% e no questionamento foi de 34%.

Nos dados da Literatura Médica a prevalência tem sido descritas entre 2% e 6% (66), a dos brasileiros de 7,5%, portanto foi discretamente superior à média já relatada.

Quanto ao questionamento , a freqüência de ocorrência do priapismo foi de 34%. Os trabalhos internacionais referem que em estudos questionamento a prevalência para entre 38 e 425 (70). A diferença parece ser devida a que os episódios menores noturnos não são relatados nas consultas, o paciente fazendo menção dos mesmo somente quando inquirido.

A maioria dos pacientes apresentou episódios menores e nos recidivantes tivemos uma experiência com o inibidor da enzima conversora da angiotensina (fosinopril), uma vez que esse medicamento estava sendo utilizado para crises álgicas de repetição (28) e três pacientes relataram melhora dos episódios de priapismo enquanto um paciente de 35 anos não sentiu nenhum alívio (observações não publicadas). Apesar do pequeno número de pacientes que fizeram uso do medicamento o mais provável é que sua ação não ocorreu em pacientes mais velhos (os outros tinham 9, 11 e 22 anos de idade), devido a circulação peniana apresentar mais alterações no processo de priapismo crônico com fibrose local, impedindo a ação do medicamento. Por outro lado o desaparecimento do priapismo em crianças de 9 e 11 anos nos faz supor que a hipótese acima descrita seja a mais provável. Seria necessário um estudo duplo cego em diferentes faixas etárias para se comprovar a eficácia do inibidor da EACA em pacientes mais jovens com priapismo.

Tratamento: Os objetivos do tratamento são:

  • esvaziar o corpo cavernosos;
  • melhorar a dor do paciente;
  • prevenir a impotência.

O exame inicial deve incluir a massagem prostática que algumas vezes induz à detumescência . É importante coleta do líquido prostático para exame bacteriológico. A febre e a leucocitose podem estar presentes na ausência de infecção.

Priapismo Agudo Reversível: Os pacientes geralmente tratam- se em casa. O esvaziamento da bexiga, banhos quentes e exercícios são as técnicas recomendadas. O paciente deve ser encorajado a esvaziar a bexiga freqüentemente, assim que o processo se inicie, assim como aumentar a ingesta hídrica. Se o processo não se resolver em três horas, o paciente deve procurar o hematologista.

Priapismo Prolongado Agudo: Etiologias possíveis : infecção (principalmente na próstata), traumatismo recente, excesso de álcool, uso de maconha e atividade sexual.

O tratamento é direcionado para hidratação parenteral vigorosa, narcóticos e, caso necessário, inserção de um cateter de Foley para promover o esvaziamento da bexiga. Deve-se manter o nível de hemoglobina S menor ou igual a 30% e o hematócrito abaixo de 35%. Isto se obtém com a eritracitaferese. Os pacientes que respondem à terapia transfusional começam a apresentar detumescência dentro de um a dois dias, embora a regressão completa possa levar semanas ou meses. Os conceitos no tratamento cirúrgico do priapismo severo na doença falciforme estão sendo substituídos por procedimentos mais simples com intervenção clínica mais precoce. As opiniões ainda não são uniformes porém os estudos recentes sugerem que se a detumescência ainda não se iniciou dentro de 24 horas após a terapêutica transfusional, uma resposta importante a este tratamento não será atingida. Neste caso proceder-se-á a uma aspiração peniana. Se não houver resolução, o procedimento de Winter ou modificado é o recomendado, sob anestesia local em adultos e geral em crianças. Consiste em um tipo de shunt no corpo esponjoso e é realizado inserindo- se uma agulha ou scalp na glande em um dos corpos cavernosos com aspiração do sangue viscoso. Após isto mantém- se uma pequena comunicação após a retirada do scalp e o fechamento da pele, de tal forma que permita uma drenagem contínua do sangue do corpo cavernoso do pênis à circulação sistêmica. Uma compressão intermitente é então aplicada com esfigmomanômetro para impedir refluxo. Este shunt geralmente fecha- se espontaneamente após um período de semanas, podendo ser também fechado cirurgicamente, caso necessário. A função erétil subsequente costuma ser normal. Se após vários dias o paciente ainda continuar com priapismo o procedimento deve ser repetido ou ser feito um grande shunt do corpo esponjoso lateralmente na base do pênis, sob anestesia geral. O shunt com safena não é mais recomendado.

Sem intervenções, o priapismo severo provavelmente leva à perda parcial ou completa da função erétil em tono de 80% dos casos. Em melhores circunstâncias, as transfusões e cirurgia diminuem esta incidência em 25- 50% dos casos, se bem realizada.

Priapismo Crônico e Impotência:

O priapismo desse tipo representa um problema difícil. Embora o paciente não apresente dor a função erétil geralmente está ausente. A resolução da impotência com a implantação de prótese tem sido feita, porém a experiência com pacientes com Anemia Falciforme ainda está muito limitada para ser recomendada. As próteses infláveis não parecem resolver e as prótese fixas podem apresentar complicações, embora alguns pacientes obtenham bons resultados. Outros pacientes, no entanto, se ajustam à função sexual alterada, uma vez que a ejaculação, o orgasmo e a fertilidade permanecem intactos.

Prevenção: Até o momento não há programa estabelecido de terapêutica preventiva de recidivas de priapismo. Não se pode prever se ocorrerá priapismo prolongado e impotência subsequente. Há maior probabilidade que as crises de priapismo que perduram por mais de três horas estão associada à priapismos prolongados e possível impotência. Os pacientes com crises repetidas devem ser orientados para não permanecerem com a bexiga distendida, aumentarem a ingesta hídrica e diminuírem a atividade sexual. Deve-se investigar e tratar se presentes infecções do trato urinário baixo e próstata.

Priapismo Adulto e Pediátrico:

O índice de ereção para se determinar se há indicação cirúrgica é a resposta clínica do paciente dentro de 24 horas após o início da hidratação e analgesia. A circuncisão deve ser considerada nos períodos neonatais já que um prepúcio exercendo compressão mecânica pode complicar a evolução dos pacientes com priapismo.

ÚLCERAS DE PERNA NA ANEMIA FALCIFORME

A primeira descrição de úlceras de perna em pacientes com Doença Falciforme foi em 1940 por Cummer e LaRocco (16).

A úlcera de perna é comum em pacientes com DF . As causas mais comuns são traumáticas e pode assim permanecer por muitos anos abrindo e fechando ou mesmo ficando aberta sem fechar.

Dois trabalhos foram feitos (Gallo da Rocha,em publicação), : 1) estudo percentual dos pacientes com úlceras de perna; médias de : hemoglobina, de contagem de plaquetas, do Volume Globular Médio, do hematócrito e da HbF e comparação dos dados obtidos com a população geral de DF. Foram coligidos os dados de cultura de úlceras de perna e dos agentes microbiológicos mais comumente envolvidos.

2) pesquisa clínica- questionamento de 62 pacientes sobre a evolução clínica das mesmas e causa do aparecimento das úlceras.

A prevalência das úlceras de perna entre os pacientes com DF foi de 19,5% e nos pacientes com AF foi de 21,4%. Na Jamaica a prevalência é maior, afetando 75% dos pacientes com AF (70) Num trabalho anterior também feito no Rio de Janeiro a prevalência de úlceras de perna foi de 34/98 (35%) (26).

No questionamento feito aos pacientes encontramos que em 90% dos casos o traumatismo local foi o fator desencadeante para o aparecimento de úlceras de perna. Em alguns casos (4%) o relato foi de prurido local e outros de picada de insetos (6%).

A idade de início das úlceras variou entre 10 e 30 anos, com uma média de idade de 19,5 anos. Esses dados são semelhantes aos da literatura (16).

Uma explicação para que não haja úlceras de perna antes da idade de 10 anos é pela maior irrigação sangüínea antes dessa idade.

98% dos casos de úlcera ocorreram em pacientes com AF, semelhante aos dados de Wolfot e Krizek (41), em que as úlceras de perna ocorreram em 75% nos pacientes com SS, sendo mais rara nos outros genótipos.

Os trabalhos da literatura apresentam diferenças de comportamento com relação a localização geográfica. Os pacientes afro- descendentes parecem apresentar mais úlceras no Caribe do que no Oeste da África, Estados Unidos ou Europa (70).

As condições de higiene sempre são citadas como fator inicial e complicador das úlceras de perna do que nas mulheres. No nosso estudo a relação de 1,3 sexo masculino : 1 sexo feminino, diferindo do Cooperative Study dos Estados Unidos, mas concordante com os dados da Jamaica (70) e entre os nigerianos (1).

Os outros genótipos tem menor freqüência de úlceras de perna : dos pacientes com S Beta Talassemia, 1/6 apresentam úlceras de perna (16%); Serjeant encontrou 9/40 (23%) (70). Os pacientes com Hemoglobinopatia SC não apresentaram úlceras de perna: 0/17, em concordância com os trabalhos de Smith e Conley (74) e Ballas (6).

A queda da hemoglobina é um fator de risco para o desenvolvimento de úlceras de perna. Desse modo, os pacientes SS sem úlcera de perna tem o nível de hemoglobina maior do que aqueles com úlcera (70). No nosso estudo essa diferença não foi estatisticamente significativa.

paciente apresentava úlcera no dorso do pé.

Dados Laboratoriais

População geral AF

População c/úlcera

Valor de p

Contagem de plaquetas

359 000/mm3

391 000/mm3

NS

Nível médio de hemoglobina

7,4g/dl

7,3g/dl

NS

Volume Globular Médio

87,3 u3

92,12 u3

NS

Hemoglobina Fetal

4,8%

5,5%

NS

As úlceras de perna tiveram sua localização preferencial acima do maléolo tibial interno e externo; um dos casos apresentava a úlcera em volta de toda a perna como se fosse a parte de cima de uma meia e outro paciente apresentava úlcera no dorso do pé.

As complicações locais são: fibrose subcutânea impedindo o retorno venoso e a drenagem linfática. Isso ocorre em praticamente todos os pacientes com úlcera crônica, com reação fibrótica intensa em volta da úlcera muitas vezes com edema discreto do pé. Foi notado também durante o questionamento que alguns pacientes adotavam a posição antálgica (pé eqüino) passando a deambular com a borda externa do pé e com o tempo o pé adquiriam aquela posição não mais voltando ao normal. Também notamos durante as entrevistas que os pacientes com pé valgo tinham maior propensão a apresentar úlceras de perna.

A cura da úlcera da perna é muito demorada, levando meses ou anos. É comum a recidiva variando de 25 a 52% (70).

No estudo por questionamento notamos que a prevalência das úlceras em pacientes com AF aumentou. Dos 67 pacientes questionados 30 (44%) já haviam apresentado úlceras de perna e foi anotado no estudo mesmo aqueles pacientes que já tinham cicatrizado suas úlceras. Portanto a incidência pelo questionamento dos pacientes é maior 30/67 (44%). Também nesse estudo houve maior incidência de úlceras em homens: 17 sexo masculino e 13 feminino, com a relação de 1,3:1.

A prevenção do trauma é importante. O tratamento deve ser iniciado prontamente, assim que o paciente começa a apresentar ainda uma pequena lesão. Nesse estádio a úlcera ainda não infectou nem houve formação de fibrose e o uso tópico de anti inflamatórios naqueles pacientes que não tenham alergia resulta em resposta rápida com cicatrização da úlcera. Se essas providências não forem tomadas de imediato a úlcera cronifica e reação fibrótica diminui o aporte circulatório local levando a um ciclo vicioso: não cicatriza porque tem fibrose e tem fibrose porque não cicatriza.

O uso de antibióticos sistêmicos, a partir das culturas de úlcera não oferecem melhoras clinicamente importante a não ser que haja celulite. Essa evolução foi também notada por Mac Farlane (45). Observamos que o uso de sulfato de zinco, na dose de 200 mg três vezes ao dia, ajuda na cicatrização. Serjeant em 1970, já havia descrito sobre a associação do sulfato de zinco com a cura das úlceras (72). A ação desse medicamento é progressiva, não trazendo resultados imediatos.

O uso de L Carnitina é um cofator para a oxidação dos ácidos graxos dentro das mitocôndrias, aumentando a energia disponível para os tecidos e corrigindo a hipóxia tissular. Os níveis baixos de L Carnitina foram observados em pacientes com vasculopatias. Com o emprego da droga, notou-se um aumento de cicatrização das úlceras em 79% dos pacientes com vasculopatias. (36). Um trabalho envolvendo 15 pacientes com úlcera de perna e AF em que foi empregado a L Carnitina via oral durante três meses não resultou em aceleração do processo de cicatrização (71).

O uso de enxertos de pele de nada resolveram nos pacientes com ulceras crônicas de perna . Acompanhamos cerca de 15 pacientes com úlcera crônica em que foi feita enxertia de pele e em nenhum caso houve resposta satisfatória. O enxerto “não pega” devido a deficiência de aporte circulatório. Há um trabalho que descreve melhoras porém recidiva em 80- 97% dos casos em dois anos (72).

A associação de proteinúria com úlcera de perna (70) levou a hipótese de que o streptococcus beta hemolítico ganharia acesso de entrada por esse local causando glomerulonefrite aguda.. Na nossa casuística somente um paciente apresentou proteinúria e essa associação deveu-se ao acaso, já que não ocorreu nenhum outra associação de proteinúria com úlcera de perna e nem a evolução para a glomerulonefrite difusa aguda. Nessa pesquisa clínica que fizemos, concluímos que:

  • A úlcera de perna ocorreu em 19,5% dos pacientes com DF, no primeiro estudo. No questionamento ocorreu em 44% dos pacientes.
  • 98% dos pacientes com úlcera de perna tinham AF (Hemoglobinopatia SS)
  • Nenhum paciente com SD ou SC apresentou úlcera de perna.
  • A úlcera de perna é 1,3 vezes mais freqüente em homens do que em mulheres.
  • Não notamos diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes com AF e úlcera de perna e a população geral de AF com relação a nível de hemoglobina, contagem de plaquetas, hemoglobina fetal e Volume Globular Médio.
  • O local mais acometido foi o maléolo tibial.
  • A úlcera de perna não ocorre antes dos 10 anos de idade.
  • O tratamento deve ser imediato evitando a formação de fibrose.
  • O enxerto de pele não tem valor terapêutico nas úlceras de perna de pacientes com AF.
  • Os microorganismos mais comuns na nossa casuística foram o Staphylococcus aureus e o Pseudomonas aeruginosa.
  • O uso com antibióticos sistêmicos não tem valor no tratamento de pacientes com úlceras de perna a não ser que apresentem celulite.

Óbitos na Anemia Falciforme

Num estudo realizado por Gallo da Rocha e Bragança, (observações não publicadas) observamos que de junho de 1987 a agosto de 1991 ocorreram 24 óbitos em pacientes com AF.

idade n de óbitos
<7

7

08 a 15

3

16 a 20

3

21 a 30

2

31 a 40

3

41 a 50

5

51 a 60

1

causas números
avc

5

inf

4

seq

4

Na AF a mortalidade predomina, segundo os dados de literatura (70), durante os primeiros 5 anos de vida. Nos casos observados por nós, o resultado foi semelhante, ocorrendo em pacientes com menos de 7 anos.

Na Jamaica a sepse e o seqüestro esplênico foram responsáveis por 40% dos óbitos ocorridos na faixa etária compreendida de 2 a 10 anos.(70) Na nossa casuística, 33% dos óbitos foram pelas causas supracitadas, porém o Acidente Vascular Cerebral foi a principal causa de óbitos no período de 1987 a 1991 : 5 pacientes foram ao óbito por de AVC ( 3 por ruptura de aneurisma cerebral).

Observações Importantes:

  • A alta contagem de granulócitos são um fator de risco para a morte na Anemia Falciforme ( 56). O granulócito interagindo com as hemácias afoiçadas e com as células endoteliais leva a um estímulo para a liberação de citoquinas que causam lesão endotelial.
  • A média do nível de hemoglobina em pacientes brasileiros com AF é de 7,7g/dl e do hematócrito de 23%.A contagem de leucócitos geralmente está aumentada e a média é de 12.300/mm3; a de reticulócitos é de 9,5% (na literatura a média varia entre 5 e 20%(17).
  • As plaquetas ativadas liberam trombospondina que promove a aderência das hemácias afoiçadas as células endoteliais. Os reticulócitos que são prematuramente liberados da medula óssea (reticulócitos de “stress”) na doença hemolítica e leva a liberação de ligandes adesivas que facilitam a interação entre as hemácias afoiçadas e as células endoteliais

HIDROXIURÉIA

O aumento da Hemoglobina Fetal reduz a gravidade da Anemia Falciforme prevenindo a formação de polímeros de Hemoglobina S. Inicialmente pensou-se que o efeito benéfico de hidroxiuréia seria pelo aumento da concentração de Hemoglobina Fetal, mas os estudos posteriores mostraram que a redução nos neutrófilos, monócitos e reticulócitos também podem ser clinicamente relevante. A hidroxiuréia também aumenta a concentração total de hemoglobina, lentamente (15).

A maioria das drogas que estimulam a síntese de HbF são citotóxicas. Se um composto de butirato atóxico estivesse disponível seria uma alternativa importante na estimulação de produção de HbF.

Os estudos com hidroxiuréia em crianças ainda estão no início. Os resultados dos estudos são muito semelhantes. A Hemoglobina Fetal aumenta para 5% da hemoglobina total antes do tratamento; 16% após 6 meses de tratamento. Não se sabe ainda se a droga é ou não mutagênica ou carcinogênica a longo prazo.

Espera-se que a hidroxiuréia previna lesão orgânica, restaure órgãos já lesados e aumente a sobrevida na AF. A regeneração esplênica foi descrita em dois adultos com Anemia Falciforme (dose: 500 mg) 10 a 15 mg/Kg toda manhã por 6 a 8 semanas. Se a leucometria for aceitável aumenta-se a dose para 1500 mg pela manhã com incremento de 500 mg cada 6 a 8 semanas. Antes que a dose ideal seja alcançada o sangue deve ser monitorado de 15/15 dias.

INFUSÃO DOMÉSTICA DO DESFERAL

Título original: guidelines for home infusion of Desferal- St Jude Children’s Medical Center

Introdução: As transfusões de sangue regulares são necessárias durante o acompanhamento de pacientes com Talassemia Major e Anemia Falciforme. Infelizmente, as transfusões levam a acúmulo de ferro que se depositam no coração, fígado e outros órgãos. Se a sobrecarga de ferro não for tratada poderá levar a lesões orgânicas sérias.

O Desferal (Desferrioxamina) é uma medicação que remove esse excesso de ferro do corpo. Pode ser aplicado via infusão subcutânea lenta (sob a pele). É aplicado quatro a sete vezes por semana, dependendo da sobrecarga de ferro. O Desferal também pode ser infundido intravenosamente .

Caminhos a seguir na Infusão de Desferal:

Kit – agulha borboleta ( 25 ou 27 g), álcool, gaze e esparadrapo.

preparar uma área limpa de trabalho

  1. lavar as mãos cuidadosamente
  2. colocar a borboleta na seringa cheia/ volume da seringa : 10 ml
  3. selecionar o local da pele para inserção da agulha
  4. remover a cobertura de proteção da agulha; não tocar na agulha
  5. puncionar a pele em volta do local da inserção; colocar a agulha a um ângulo de 45 graus
  6. fixar a agulha com esparadrapo
  7. verificar se o setting da bomba está correto
  8. começar a infusão ligando a bomba
  9. fixar a bomba na bolsa apropriada
  10. inspecionar o local da inserção para ver se ocorreu vermelhidão, extravasamento de líquido e/ou deslocamento da agulha
  11. quando a infusão se completar ( após 8 a 12 horas ), jogar fora a agulha e tubo em saco plástico contendo hipoclorito de sódio.

Rotação dos locais de infusão: A rotação regular dos locais de infusão permite absorção apropriada da medicação e diminui os riscos de lesões de pele. O local mais comumente usado para a infusão é o abdômen.

Orientação:

  1. use um local diferente para a infusão cada dia do mês
  2. marque a data e o sítio em um desenho de boneco
  3. desenhe novo boneco cada mês

Orientação de Armazenamento:

  1. guarde o Desferal em um local seguro, longe do alcance de crianças
  2. guarde a medicação longe do calor e da exposição solar
  3. não guarde o Desferal que foi reconstituído em casa por mais de 24 horas
  4. guarde o Desferal em baixa temperatura e de preferência em local escuro (porta da geladeira)

Efeitos Colaterais do Desferal:

  • tratamento com Desferal pode levar a escurecimento da urina para marron escuro. Isto é esperado e não deve causar preocupação.
  • Como qualquer outro medicamento, podem ocorrer efeitos colaterais. O mais comum é encontrado no local da infusão, com dor e edema (inchação) local, que geralmente desaparece em 24 horas. Não devem ser feitas compressas quentes no local. Algumas vezes torna- se necessário o uso de outras medicações pois as reações alérgicas podem ocorrer. Estas costumam ser leves ou graves e os medicamentos empregados são:
  • sintomas leves: prurido (coceira), lacrimejamento, espirros e febre.
  • tratamento: anti- histamínicos via oral- procure seu médico para orientação.
  • sintomas severos: espirros, dificuldade de respiração, dor no peito, edema de lábios ou de pálpebras; tratamento: parar a medicação e procurar imediatamente a orientação médica.
  • Yersínia: Algumas infecções que geralmente não são graves podem se agravar com o uso do Desferal. Esse é o caso da infecção por Yersinia, que tem como sintomas febre, dores abdominais e diarréia. Ciprofloxacina é o antibiótico de escolha.

Observação: Para que o tratamento com Desferal seja eficaz, deve ser aplicado de três a quatro vezes por semana, como recomendado por seu/ua médico/a. Se o Desferal não for aplicado apropriadamente podem ocorrer complicações sérias de excesso de ferro, com comprometimento do coração e do fígado. É necessário verificar- se os níveis séricos do ferro, regularmente, para testar-se a eficácia do tratamento. Atualmente estão em estudos o uso de quelantes de ferro oral que ainda não foram liberados pelo FDA.

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